quinta-feira, julho 24, 2003

despeço-me com amizade




Vale a pena ver
castelos no mar alto
Vale a pena dar o salto
pra dentro do barco
rumo à maravilha
e pé ante pé desembarcar na ilha
Pássaros com cores que nunca vi
que o arco-íris queria para si
eu vi o que quis ver afinal

É tão bom uma amizade assiiiiiiiim
Ai, faz tão bem saber com quem contaaaaaaaaaaar
Eu quero ir ver quem me quer assiiiiim
É bom para mim e é bom pra quem tão bem me queeeeeer

Vale a pena ver
o mundo aqui do alto
vale a pena dar o salto
Daqui vê-se tudo
às mil maravilhas
na terra as montanhas e no mar as ilhas
Queremos ir à lua mas voltar
convém dar a curva
sem se derrapar
na avenida do luar

Todos:

É tão bom uma amizade assiiiiiiiim
Ai, faz tão bem saber com quem contaaaaaaaaaaar
Eu quero ir ver quem me quer assiiiiim
É bom para mim e é bom pra quem tão bem me queeeeeer








mal fechado para férias

Num último esforço herculiano, aqui escrevo um penúltimo post antes de partir daqui a precisamente uma 2 horas para outras terras de gentes francófonas.

Terminados os exames - findas as preocupações académicas - recalcado o mau estudo de véspera - abençoadas as miraculosas boas notas - digerido o último jantar com amigos -gargalhado o último excesso de álcool na praia - remexido e analisado o passado recente num banco de uma boleia fraterna - feita, desfeita e feita a mala com a sensação repetitiva de que falta algo: ENFIM DESCANSO, ENFIM DE FÉRIAS. (Enfim ainda igual, porquê?)

Carga pronta metida nos contentadores, adeus aos leitores que se está de partida. Não sem antes expressar a minha felicidade ao descobrir que, existem muitos "alguéns" leitores do Oráculo dos Basbaques. São apenas máscaras com nomes de servidores, é certo, mas não deixo de me sentir feliz por constatar o número de visitas e mais que isso por as haver, algumas, regulares! A essas pessoas sem rosto, o meu profundo obrigado. Mesmo que sejam apenas 3 ou 4, mesmo que não tenham uma identidade, mesmo que eu não saiba o que sentem ou que não sinta o que sabem, mesmo sendo apenas hipoteticamente uma só pessoa a utilizar vários pcs, mesmo que seja um vírus bloguista de alma pequena: valeu a pena.

Parto com a promessa a mim mesmo de tentar escrever semanalmente. Ao mesmo tempo que me pergunto porque raio hei de fazer isso também me questiono se esta não foi mais uma paixão de verão e se serei fiel a este oráculo, arrefecido o estio? Apenas Setembro trará consigo a resposta… Até lá vou tentar arranjar, meios, assunto, vontade, inspiração e tempo para escrever para mim e, consequência de mim, para aqueles que ao longo deste mês entraram neste pequeno antro de basbaques e ficaram. E simplesmente ficaram.

Não me quero demorar nem repetir portanto despeço-me.« Na próxima semana falaremos do bicho da cereja do Fundão e fiquem já de seguida com os desenhos animados porque tanto esperavam. Então, despeço-me com amizade» Saboreemos Agosto. G.F.C.

- Comentários, dúvidas, incertezas, ofertas monetárias, sermões, correcções, propostas irrecusáveis, cabalas, feedbacks, basbaquices quotidianas, tudo isso para: oracludosbasbaks@mail.pt Critica.

terça-feira, julho 22, 2003

"temporada ridícula"

É demasiado revoltante estar ainda em exames em plena "temporada ridícula". O manancial de “silly facts” é impossível de inventariar. Vejamos: Campanhas por uma nova dentição para o emplastro; problemas conjugais entre Pintos e Costas em pleno horário nobre; férias dos famosos nos Tomates (que melhor local de veraneio para seres tão chatos?); "embushtes" mais que provados; fios-dental em rabos sexagenários; os mesmos fogos de sempre que teimam em não queimar os irresponsáveis; as entrevistas da tvi, na praia, onde se pergunta com extrema perspicácia "bebeu muita água hoje?"; festivais de Verão que no mesmo cardápio conseguem juntar a voz alienígena, genial de Rufus Wainwright com os mais que terrestres, usados, reutilizados e reciclados Guano Apes; trocas e baldrocas dejas vou nos meandros do futebol português (bons frangos, Ricardo Coração de Cifrão); canais de MTV nacionais que abrem com o imprevisível "Semana da Música"; orgias entre saltimbancos italianos e suecas olímpicas em plena Gimnestrada; a estreia de banhadas solarengas como Hulk e Anjos de Charlie - Potência Máxima. E eu aqui, metido em casa, de potência mínima, a tentar que o tempo corra para que depois seja a adrenalina da pressão a lançar as redes da motivação. Pronto para fazer também parte desta época estupidificante e vazia mas que dá mais sentido aos tempos em que se torna cheia e interessante. Pronto para dormir despreocupadamente, afastado deste país por um mês, acomulando saudade para voltar e reamar este que é, penso eu, o mais belo e castiço canto do Mundo.

Dizem, os que estão de férias, tentando invejar-me, que este ano a taxa de luso silicone aumentou significativamente. As discotecas passam remixes dos anos 80, lançam-se colectâneas dos primórdios do rock nacional e das mamalhudas DOCE. Como quase sempre, aderirmos às modas no exacto momento em que nos outros países de onde se importaram tendências se acaba de provar que estão obsoletas. E eu aqui, numa palidez unfashion, estudando ironicamente os processos neurofisiológicos da motivação para a oral de amanhã, dentro de algumas horas. E não vejo a hora de vestir a tanga, fazendo jus ao país que tenho. Não vejo a hora de abraçar o estrangeiro e perceber que afinal somos iguais a eles, embora tenhamos qualidades. Não vejo a hora de guardar o relógio.

Não arranjando um computadorzeco gaulês onde actualizar minhas pulsões bloguistas, resta-me desejar umas boas e relaxantes férias às 4 ou 5 pessoas que tiverem o mau hábito de me ler. A vocês, um óptimo descanso, ponderadas moratórias psicossociais, excelentes leituras, quentes paixões. Tomemos Agosto e que não fiquemos: «só aqui, esperando mais um Verão...». G.F.C
Nota: Existirá algum(a) heterosexual e racista no Universo, que não perca por momentos o preoconceito depois de ver um teledisco da Beyonce?

domingo, julho 20, 2003

Porque blogo?

Escrevo, antes de mais para aqueles que tiveram a amabilidade de me enviar e-mails. Embora tivesse curioso em receber um feedback não tinha, sinceramente, esperanças que alguém se desse ao trabalho de o fazer da forma que como vocês o fizeram. Com claridade, simplicidade, belas palavras, simpatia e acima de tudo curiosidade em saber o porquê do Oráculo dos Basbaques e, abarcando essa dúvida, o porquê de ter feito um blog. Talvez tenha de concordar convosco que o “porque sim” não basta.

Então, faço aqui uma introspecção e tento responder dando algumas explicações que amanhã poderão ser completamente diferentes. Ou não. Como escrevi, no primeiro post, a ideia de fazer um blog surgiu-me do acaso, da conversa com um colega de faculdade, que me disse tratar-se de uma forma bastante acessível de ter uma home page. Naquelas conversas passageiras que se têm circunstancialmente, disse ainda tratar-se de um local de discussão, de troca de diálogos “estimulantes”. Cheguei a casa e quando me preparava para tentar estudar, surgiu-me a ideia de ir ver se seria assim tão fácil. Lembrei-me que já há dois anos, tinha conhecido uma amiga que me apresentou ao mundo das páginas pessoais de posts. Lia frequentemente algumas, verdadeiros diários on line onde o bom gosto, a cultura e uma forma de escrever solta e intimista me deliciaram e me fizeram descobrir novos mundos deste mundo. Deixei, com os tempos, de os frequentar, fruto das vicissitudes da vida e nesse dia, em meados de Julho, relembrando-me dessas doces leituras, perguntei num canal de conversação de gentes do teatro, se sabiam do fenómeno dos blogs. O Henrique, com o seu Olhar Crítico, deu-me as indicações para entrada neste mundo e a ele agradeço “bloguicamente” o facto de ter lido o meu e de o ter colocado generosamente nos seus links. Tinha lido apenas o blog dele e desde logo me pareceu familiar a necessidade de fazer o que se faz na blogosfera. Tal como ele, não sou jornalista. Também não sou eurodeputado, não sou frequentador dos locais in de discussão politica, cultural. Tento escrever apenas com sinceridade.

Porquê Oráculo dos Basbaques? Achei que esta espécie de revista de opinião pessoal devia ter no seu título Oráculo. Local das minhas respostas e não dos Deuses. E sabemos que um oráculo, segundo a mitologia grega, era um local onde se davam repostas cabais, infalíveis. Porque não tornar paradoxal o conceito e por alguém sem a mínima autoridade, à partida, a ser o frequentador desse Oráculo? Nada melhor do que um parvo, alguém ignorante mas que ao mesmo tempo vai rindo e castigando nas entrelinhas as morais. Lembrei-me das conversas que tenho com deficientes mentais e da genialidade com que, mesmo tendo alguns atrasos ditos cognitivos, conseguem surpreender e dizer frases verdadeiramente Sábias. Lembrei-me das crianças com que trabalho. As crianças que muitos subestimam, mas que dizem o que pensam, embora cruéis, verdadeiras, sem as máscaras e com a inocência ainda por perder. Oráculo dos Parvos soaria mal e então depois de alguns 20 minutos a pensar numa expressão que o meu pai, da Beira Alta, utiliza muitas vezes lembrei-me. Basbaque. Basbaque,pateta, alguém que pasma. Confesso que me apatetizo muitas vezes lá fora, pareço meio desligado, perto de Plutão mas atento. Confesso que me sinto muitas vezes basbaque. E não, não tomo ácidos, não inalo drogas boémias, não tive nenhum acidente em criança. Pelo menos que eu tenha conhecimento. Gostei da palavra basbaque, sempre gostei de ouvir o meu pai dizer mesmo quando era dirigida a mim. Portanto assim ficou, surgiu como poderia ter surgido outra coisa qualquer. Estas coisas surgem como os nomes das Bandas, lembrei-me das duas palavras e das associar. Pronto foi isso. Talvez não venda (risos) quero lá saber. Sinto-me bem a escrever num Oráculo dos Basbaques e quero também dizer que este blog não tem qualquer linha editorial, qualquer temática. Não fala só de basbaques embora todos os textos revelem a minha admiração a minha pasmação em relação ao que observo nessas viagens da mente pelas terras dos pequenos nadas e dos momentos de beleza simples. Também não tenta só dar resposta, tenta que se façam mais perguntas. Quanto ao título, penso que a descrição por baixo dele (e que tenho de copiar todos os dias devido aos acentos) diz isto tudo mais resumidamente e escuso de perder tempo a falar do mesmo. Passo então a explicar a razão de ter um blog, de o dizer que tenho a algumas pessoas, enfim a razão da sua exposição pública.



Sinto, tenho a necessidade de escrever, de pensar sobre o que me rodeia. De me rir dos exteriores e de ironizar com os interiores. È a minha arma. Contra mim principalmente, ou a favor da minha vontade de me espelhar em grafemas. É assim que vou percepcionando este mundo, com o qual me embasbaco todos os dias. Positiva e negativamente. Assim, este blog é talvez um prolongar publicado daquilo que faço quando arranjo tempos para me viciar nas salas de conversação: teclar sobre a vida, as questões filosóficas fulcrais remisturadas com as maiores banalidades. Há muito que deixei de falar privadamente salvo raras e belas excepções. Há muito também que sinto ter uma vontade de comunicar e que muitas vezes é o meu monólogo a minha droga. Droga mental, droga produzida por mim, que me atenua numa noite mais melancólica e que me extasia em dias felizes. Há muito que sinto esta necessidade de esconder quem sou, de ser o fingidor pessoano. Há muito que necessito de um palco onde o fluxo de ideias que me vem de dentro e a vontade de produzir acção sobre os outros me faz libertar neste processo de escrita. Escrevo isolado, mas tento não falar sobre esse isolamento, apenas o uso para condensar as memórias do tempo em que estive acompanhado por gentes ou ideias, pelas acções. Confesso que em tempos usei pouco a escrita. Nem comigo a conseguia partilhar. Por exemplo poesia, recuso-me a partilhar num blog.

Achei, motivado por amigos, que não deveria cair na inércia de deixar apenas em cinzas as páginas do meus escritos mentais, dos meus devaneios cognitivos, das folhas da minha alma lidas relidas mentalmente vezes e vezes sem conta. Achei que estaria a desperdiçar memórias. Talvez isto me servia como um báu, onde nostalgicamente amanhã sentirei que todos estes posts, visto à luz de uma maior vivência e maior serenidade, são uma tremenda porcaria.

Como dizia, é um verdadeiro log, um monólogo que escrevo aqui como poderia estar a escrever numa janela já gasta de tanto clicar. E como escrevo no IRC assim escrevo aqui. Mas aqui estou mesmo isolado, não tenho a sensação de estar a escrever para uma plateia de users vendados.. Aqui os textos que produzo são tão grandes que tenho a certeza que os que estiverem a ler agora esta frase com atenção são aqueles que me interessa ouvir, comunicar, fazer nós de união. Também através deste blog, estou escondido atrás da melhor cortina, da palavra. No palco mais sublime, o da escrita. Fora deste palco, continuo eu mesmo reservado a vocês de mim mesmo. Continuo apenas um lado de mim sem mostrar a ponte que vai para o outro. Mas aqui, aqui tenho espaço para me recriar, para inventar, para satirizar, aqui posso sonhar alto, aqui posso me mostrar a vocês. Disse, no primeiro post, exibicionismo implícito. Talvez sim, seja exibição, talvez me queira demonstrar. Talvez isto seja uma versão big brotheriana da escrita. Mas não queremos todos que se interessem por nós? Não precisamos todos dessa atenção, mesmo que alguns de nós sejamos felizes e precisemos da solidão de tempos a tempos? Penso que se as coisas que digo têm algum valor ou estão certas, hão de se espalhar por si mesmas um dia e não tenho de me preocupar muito com isso. Descobri também que para se escrever é preciso ter-se uma quantidade q.b. de vaidade interior. É antes de mais preciso gostar do que o que escrevemos para o podermos mostrar aos outros e esperar não que gostem mas que leiam atentos. Porém, ainda estou a descobrir porque é imensa a quantidade de folhas que apago, de documentos que acabam na reciclagem.

São esses, outros problemas. Como dizia, talvez seja exibição, mas não é explícita, exibo-me mesmo assim mascarado pela leitura de alguém que modifica logo à partida o que sai de mim. Esse alguém és tu que lês. Aqui, a minha exibição é a minha estreia para com um pequeno grupo de pessoas a quem digo que tenho isto, ou para com viajantes perdidos nos trilos da cibyerlândia que por acaso descubram este “refúgio da escrita”. Aqui, a minha exposição virtual penso que não passa de um exorcismo da solidão. Aqui, a minha escrita é um ansiolítico e ao mesmo tempo uma tentativa provavelmente utópica de encontrar alguém que me compreenda. Através disto, não tenho qualquer tipo de pretensão a não ser a de encontrar gente que goste de mim e que me elogie com sinceridade porque preciso. Porque preciso mesmo porque também nos alimentamos disso eu nesse campo não me consigo auto medicar. Ainda mais importante que isto preciso de discutir, necessito, mais que gostem de mim, que me critiquem e que me ajudem a perceber. Essencialmente que me ajudem a aprender e a crescer como cidadão tolerante e crítico em relação aos outros e a mim mesmo.

Através deste site com um nome estranhíssimo, não há qualquer missão, qualquer tentativa de profetização, de encontrar novos paradigmas, de criar cultura. Haverá tempo ou coragem para embarcar nessas naus da ilusão do endeusamento próprio. Termino dizendo que sinto que melhor forma de vos responder (repito, hoje, porque amanha encontro certamente novas respostas) é citando simplesmente Pessoa ou Campos: «escrever não é a minha missão, é a minha forma de estar sozinho». Talvez seja mesmo só e apenas isso. G.F.C.

sexta-feira, julho 18, 2003

Anita a cavalo (cuidado a baixar a página)

Tenho algo para mostrar que subitamente encontrei perdido algures no segundo andar da garagem, onde estão todos os livros, todos os documentos escolares ou simplesmente lúdicos da minha quase velha infância. Não é uma reportagem central da revista Gina, não é nenhuma bd porca dos anos 80, não é a biografia de uma qualquer stripper citadina com os saudosos peitos naturais . Anita a cavalo também não conta a história de uma heroinómana adolescente que se vê envolvida numa teia de vício com banda sonora de Sex Pistols. É simplesmente um marco literário, oferecido pela Verbo, a toda uma geração. Obrigado Anita por todas as horas que passámos juntos. G.F.C.





Imagem do Livro


quinta-feira, julho 17, 2003

regresso de Lisboa




Não ter ainda carta de condução pode revelar-se um problema em algumas situações mas noutros casos faz com que o comboio se torne um óptimo local para parar andando e pensar nos últimos tempos. Foi então, há tempos, que escrevi estas linhas e mostro-as agora porque seriam o conteúdo de um e-mail a mandar para uma pessoa mais a norte, que gostei de conhecer. Se não fosse ela, tudo o que agora existe em palavras teriam sido apenas pensamentos empacotados a um canto dos armazéns da memória a longo prazo. Um obrigado especial.

Perdi o comboio. Por apenas 12 segundos. São 23h46 minutos e 18 segundos. O cais da estação estaria vazio, não fosse a minha existência ali e a de uma senhora de meia-idade. Observo-a discretamente: telemóvel vestido por um padrão de vaca leiteira, cabelo pintado de um laranja ténue, t-shirt com uma dama de copas. Vou ao meu bornal, tiro um baralho que costumo levar, procuro pelo que vi estampado. Observo a dama que olha de esguelha, reviro a carta: 2 siamesas de copas. Enquanto me lembro de ligações passadas, lembro-me de ti e relembro-me do Porto. Volto a olhar o relógio, só depois de meia hora viria o próximo comboio. Por apenas 12 segundos perdi o último. Segundos que ditam a vida nas urbes. Constato que o homem corre cada vez mais velozmente e que todos corremos contra ou por algo. Porém, felizmente ou não, em Portugal ninguém leva muito a sério a responsabilidade temporal. Tento leva-la embora sinta que esta algema suiça que trago apertada ao pulso não me aprisiona assim tanto. Paro de escrever, chegam 2 pretos com o ar simpático de quem me vai tentar roubar. Aproximam-se e olham para o caderno que trago. Afastam-se. Talvez tivessem reparado na cara de parvo de faço quando estou a escrever. Pelo menos imagino-a ridícula uma vez que ponho a língua de fora e vou sorrindo de quando a quando. Talvez a satisfação nos dê um rosto demente. Não sei, só sei que não fui assaltado. Sou um sobrevivente portanto. Bem, perdi o comboio por 12 segundos, ganhei 30 minutos do tédio de pensar e do contra ataque de escrever.

Estou junto à feira popular, o cheiro assado das sardinhas penetra-me as narinas. Olho por trás do ombro e vejo o néon dos vários carrosséis. Do looping, partem gritos femininos que competem pela maior onda acústica produzida. Gritos que se misturam com as sereias das ambulâncias que cruzam a Avenida da República. Passam o sinal vermelho. Dentro delas, vai talvez alguém para quem um segundo pode ser decisivo. Chega um velhote que se senta ao pé de mim. Ucraniano. Não percebo o título do livro em 5ª mão que lê, mas parece-me ser de cowboys. Ou de ìndios. E eu à espera do Cavalo de Ferro.

È meia-noite e está tudo vivo ainda. Tudo marcha para voltar a casa, tudo corre para sair nessa Lisboa que anoitece. Maquinalmente tudo se move e tudo espera ao mesmo tempo. È esta a Lisboa que percepciono, a Lisboa onde estudo, a Lisboa onde estou quando não durmo. A cidade onde os cotovelos se poisam no Castelo. Estive nele, também pousado, nessa manhã. Avistei as velhas casarias, passei pelas tascas onde me senti no país dos matraquilhos. Passei pelas ruas contraditórias onde executivos engomados se cruzavam com freaks coloridos e turistas de “Nikon” em punho. Velhos que escarram no chão, mulheres bonitas em cafés de vanguarda, o eléctrico velhinho, eu, os amigos, uma canção mal trauteada. Uma serenata académica, “Ondas do Douro”. Viajei a norte por momentos e regressei ao Tejo, avistado no término de umas escadinhas alfacinhas. Uma fragata da Marinha cruza o esverdeado fluvial enquanto um veleiro calmamente se passeia em mais um dia de mediterrânico Sol. A força imponente do navio e a fagilidade da embarcação empurrada pelo vento. O Rio tantas vezes cantado. A lembrança de um provérbio quiçá chinês que diz “nunca tomarás banho duas vezes no mesmo Rio”.

Já estou no comboio, olho lá fora e o movimento aparente das casas que ladeiam a linha parece-me hoje mais lento. Diferente todos os dias, como o rio, mas hoje mais lento. Aconchego-me no banco e inibo-me na escrita. Alguém se sentou ao meu lado. Sinto o meu território físico invadido, contraio-me. Tento esconder a escrita e contínuo. Entram e partem pessoas em cada estação. Incontáveis as raças, os credos, as vidas que já se cruzaram naquelas portas automáticas. Recordo-me novamente da Lisboa desse dia, a antiga que se confunde com a moderna. Da luzes naturais e dos perfumes fabricados. E torno, conformado, aos subúrbios. Reconforta-me apenas a Serra da Lua, com a Pena que surge como a cereja em cima do bolo. Mostro o passe ao revisor que surge no meio dessas imagens mentais. Começa então um musical suburbano. À minha frente alguém ressona, e o inexplicável é que ressona sintonizado com o picar dos bilhetes. Eis que para colmatar esta sinfonia, entra um cego com a sua bengala tradutora do espaço físico. 3 ritmos, 3 sons, 3 simples melodias. Banda sonora simples de um regresso a casa. De uma viagem num comboio descendente que trás toda a uma cidade nas suas entranhas. Uma máquina que nos trás de Lisboa e que nos faz sonhar com Sintra. Das sombras da cidade branca para o aclarado betão no meio da serra densa escurecida e perdida na bruma.

Revejo a publicidade ao centro cultural Olga Cadaval e a placa para o Palácio Nacional de Queluz. As artes e as rainhas no mesmo intervalo de tempo. Penso qual será a Arte Rainha e se haverá alguma Rainha das Artes. Volto ao baralho na procura da dama de copas entretanto baralhada. Sai de vez, à terceira, depois de um Joker e de um Ás de Ouros. Como não acredito agora em sortes nem destinos, tento não associar as três cartas e deixo a ligação mística a quem gostar de o fazer. Volto a baralhar e paro.

Última paragem. Esse alguém que ressonava, acorda sobressaltado. Lisboa já anoiteceu e todos os subúbrios começam a pensar em amanhecer. Afinal o tempo que se quis que passasse rápido, já foi. Demorou apenas algumas palavras perdidas, teve a velocidade de um sussurro. Regressei agora e regresso amanhã. Talvez sejamos feitos de regressos, de sequelas, ou talvez tenhamos de partir todos os dias, mesmo que de manhã não nos apeteça. Amanhã não sei, mas neste momento só me apetece pousar as palavras.G.F.C.


domingo, julho 13, 2003

Quando entenderão este mundo, os "Padrinhos"?


Depois de Berlusconi ter chamado "Kapo" ao eurodeputado alemão Schultz, chega uma notícia que revela uma vez mais a brilhante veia diplomática italiana. Num artigo de jornal, Stefano Stefani escreveu que os alemães são «louros uniformes e super-nacionalistas, que não perdem uma oportunidade de serem desavergonhados e de invadir com grande alarido as praias italianas». Embasbaquei-me. Stefani não é um comediante italiano, Stefani não é caricaturista, Stefano Stefani não é o Vicktor Vicktor transalpino. Stefani é simplesmente o Secretário de estado do turismo italiano. Podemos admitir que os alemães provocam alarido, podemos dizer que as alemãs são desavergonhadas. (pelo menos algumas das que passam cá férias) Mas a diferença é essa, nós podemos, porque somos meros anónimos envoltos na enorme diversidade de povos que habitam este planeta. Nós podemos, porque não temos responsabilidades, a não ser a de perceber que as generalizações conduzem às certezas que conduzem: nenhumas.

Todos os povos têm as suas particularidades e o estériótipo, penso eu, é inerente à condição humana. Muitos de nós brinca com tal facto e mais que isso, brinca também com os nossos maneirismos, as nossas típicas catalogações do "Tuga". Nós podemos ofender q.b., gozar, generalizar, mas um S.E. do Turismo não pode. Ainda por cima pertencente a um partido xenófobo da coligação Forza Italia. Isto sim torna as coisas preocupantes. Não falo de repercussões turísticas, mas sim do mau estar gerado entre os dois povos. Tudo graças a algumas palavras de pessoas que, percebendo a importância que têm, as utilizam mesmo com esse sentido: o de criar quezílias. Pelo menos eu não acredito em irresponsabilidades a este nível de diálogo.

Triste. Demasiado triste para se acreditar. Chegar ao século XXI e haver assim hOMENS. Com h minúsculo, bem minúsculo, que teimam em regredir. Numa Europa que se quer unida, num mundo que se quer global, de cidadãos à escala planetária, num mundo em que se descobriu que somos todos uma só raça, mesmo genoma, mesma génese. È triste chegar a 2003 e pensar nessa Máfia, nessa gentalha que povoa alguns dos corredores do poder político, se pauta pela ambição e conceptualiza a palavra tolerância dependentemente das negociações favoráveis ou não.

Resta-me entristecer e arranjar boas lembranças nas várias comunidades de estudantes de “Erasmus” espalhadas pelo Velho Continente, em que Italianos e Alemães se abraçam, choram, se confiam, se amam. Resta-me parar para pensar nesta Humanidade e relembrar as palavras de Juca Sabão, através de Mia Couto. Talvez quem sabe, os "Padrinhos", um dia, entenderão as palavras vindas desse sábio e paradisíaco Moçambique: «ergam nos céus as bandeiras, plantem na terra as fronteiras, mas no mundo só existem duas Nações, a dos Vivos e a dos Mortos». G.F.C.

basbaquices da FPCEUL - MAMAFA

(a leitura deste post destina-se ao pessoal da FPCEUL ou a qualquer outra pessoa que tivesse lido o Manifesto do MAFA. Aos outros peço desde já as minhas desculpas por não ter pachorra para aqui copiar tão ignóbeis palavras, se é a primeira vez que aqui vêm movam a página para baixo e vejam outros posts)


Talvez a melhor coisa que possa acontecer a quem só consiga estudar efectivamente perto da data do exame seja aparecer-lhe alguma acção de alguém ou de “alguéns” que suscite em si uma irreprimível vontade de contra atacar, responder, criticar ou tão somente perder tempo a pensar nela. Assim, pretende este post, responder directamente ao manifesto publicado na Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade de Lisboa. Movimento esse auto intitulado de Movimento Anti Futilidade Académica. Ressalva-se a não publicação desse mesmo manifesto. Quem quiser lê-lo que procure as publicações em folhas cor de rosa rançoso, espalhadas inesteticamente por todo o edifício académico.



Movimento Anti Movimento Anti Futilidade Académica

E surge um novo movimento, que pretende desmistificar, ridicularizar e deitar abaixo as teses apoiadas no MAFA (falamos em linguagem corrente porque os manifestos servem para ser lidos e percebidos pelos outros. Procurar a palavra mais requintada, mais arcaica, além de uma perda de tempo é sem dúvida, neste caso, um exibicionismo literário).
Também nos insurgimos contra a frivolidade. A vossa. E também registamos todo o tipo de comportamentos académicos da amostra de alunas de psicologia por vocês analisada. A diferença é que além de as observarmos, também conversamos com elas, também as tentamos perceber. Olhamos a conteúdos, não nos contentamos com as formas.
É verdade que existem estigmas, mas neste caso resolvemos pegar nos que vossas excelências apontaram, repetimos, com uma falta de conhecimento impressionante, uma escassez de verdade e uma porrada de calúnias que merecem ser aqui, desde já, apontadas:


- As alunas riem voluptuosamente. Falso, aos vossos olhos distantes talvez, pois basta um sorriso delas para que a vossa produção hormonal atinja níveis de limite. As alunas riem naturalmente ( com um sorriso sensual algumas, com graça timidamente transparecida outras). Riem do humor refinado, das piadas com inteligência de idiotas que se estão marimbando para as suas qualidades capilares ou para outros idiotas que estejam importados com estas. As alunas riem de situações diárias, porque o humor se faz, absorvendo e satirizando o quotidiano, não se faz só da discussão intelectual de tertúlias fora de horas. A vida é feita de pequenos nadas. A confusão entre os “nadas” e a futilidade terá de ser por vós revista.

- Deslocam-se de nariz empolado. Com toda a certeza, pois não andam curvadas de olhos no chão uma vez que não passam dias e noites ao computador em actos onanistas, criando fantasias virtuais e contribuindo para a escoliose precoce. Ao contrário de vocês, elas caminham de olhos no futuro, conscientes do que querem, confiantes no seu poder feminino, deixando homens como vocês desesperados.


- “Vão para o bar da faculdade” Verdadeiro, porque o bar é um local familiar, onde colegas se juntam, se alicerçam amizades, onde se disserta sobre a vida académica, as futilidades próprias femininas, as relações humanas, o último livro do Damásio, as amarguras da quase presente entrada no mercado laboral, o período, a guerra, porque não? Acham a vida divertida porque afinal de contas ninguém sai dela vivo, Não são ignorantes como vossas sapiências as rotulam. De facto elas procuram a felicidade. Talvez não a encontrem, mas não procurar o seu trilho talvez seja sim a pior forma de ignorância.

-“Usam cuecas fio dental”?!. Em que século vivem vocês? Queriam que usassem a bela da cuecas de cetim, XXL, gola alta, período pré Victoriano? Corrijo, talvez isso mostrasse algo libidinoso: queriam a bela da ciroila usada pelas governantas do Estado Novo? Usar fio dental, mostrar o corpo, seja ele tosco ou esbelto conforme os padrões actuais, é mais uma forma de demonstrarem a sua sensualidade. A hierarquia está nas vossas cabeças adulteradas por horas e horas de pornografia. A hierarquia vai existir é quando quiserem um emprego e forem trocados por um fio dental desses. Trata-se simplesmente de jogar contra as vossas próprias fraquezas. É poder e não subjugo em relação ao homem.

- “Namorado fantasmagórico?” Um namorado tem obrigatoriamente de estar no local onde a namorada estuda? Ir busca-la todos os dias, andar colado a ela? Porque é que tem de aparecer? E quantos de vocês também não mentem em relação às vossas conquistas, aos vossos pseudo engates que, na maior parte das vezes, são estórias abusivamente inflacionadas resumindo-se na realidade a três frases (sendo geralmente a última: Que parte do NÂO é que não percebes, o til?).

- “Necessitam de formar um grupinho” tal como vocês necessitam de formar um movimento, tal como os presidiários necessitam de se juntar nos balneários a apanhar sabonetes, tal como os velhos necessitam de jogar suecadas nas tardes solarengas, tal como todos necessitamos de encontrar alguém com as mesmas afinidades. Os elementos gay não são cobiçados. Eles existem sim, pela faculdade, naturalmente. Mais do que imaginamos. Se calhar há um gay em cada grupo de raparigas, mas se calhar é um gay que as percebe melhor, que vê os dois lados, que tem a sensibilidade dos dois mundos. Se calhar é o gay que está mais a par da moda, dos movimentos culturais, se calhar é o gay que torna o mundo delas e o nosso menos deprimente.

- Os outros pontos do manifesto são considerados por este MAMAFA verdadeiras pérolas da calúnia esteriotipada, criticas infundadas a raparigas que nunca foram ouvidas noutros ambientes. Concordamos que existam mentes assim, tacanhas, básicas, o que quiserem chamar, mas são uma minoria no nosso meio académico. Ou a minha amostra é completamente desprovida de verdade estatística ou então vivemos em duas faculdades diferentes. Estava na altura de começarem a conhecer essas raparigas, talvez o “ritual de acasalamento” que apregoam, vos faça mais falta que a elas. Seria boa ideia escutarem o que elas têm para dizer em vez de simplesmente ouvirem. Talvez as vossas hipóteses de sucesso deixassem de ser nulas.



Qualquer alusão a termos explicítos de cariz sexual é por este contra- movimento dispensada. Antes de terminar, saliente-se o facto de vos termos em grande consideração, sem qualquer tipo de ironia sublinhe-se. Conseguiram fazer com que se falasse de alguma coisa durante uma semana e a existência de um movimento é desde já salutar. Mesmo que isso não se traduza num debate científico, político, social, verdadeiramente académico. Pensamos também que com tanta imaginação e espírito crítico, as vossas potencialidades criativas estão em completo desperdício e muitíssimo mal canalizadas. Se esse poder retórico e de perspicácia fosse utilizado em prol do curso e das matérias aprendidas, decerto que proeminentes carreiras académicas poderiam auspiciar. Acabam por desenvolver um debate que, não sendo totalmente estéril, dará azo a conversas que estarão impregnadas, nada mais nada menos, do que aquilo que, à partida, o vosso movimento se diz “anti”: a futilidade.

Aos interessados em fazer parte deste MAMAFA o nosso mail mamafa@mail.pt

Agradecendo desde já a leitura de todos estes parágrafos e esperando que não haja mesmo gente a mandar mails, visto ser época de exames, assino num “modo não cobarde” por baixo e convido a todos os que se não se reviram no MAFA, a não levar nada disto a sério, a rirem-se, a serem fúteis de quando a quando e a assinarem também este manifesto.

Gonçalo Fontes da Costa

quinta-feira, julho 10, 2003

gratitude

Enviado por mail, o primeiro recebido, a quem agradeço e peço desculpa por não falar em pvt. A quem não percebe, a mesma resposta... dont worry, you will someday...

«I guess I could be pretty pissed off about what happened to me... but it
s hard to stay mad, when there's so much beauty in the world. Sometimes I
feel like I'm seeing it all at once, and it's too much, my heart fills up
like a balloon that's about to burst and then I remember to relax, and stop
trying to hold on to it, and then it flows through me like rain and I can't
feel anything but gratitude for every single moment of my stupid little life
You have no idea what I'm talking about, I'm sure. But don't worry... you
will someday.» In American Beauty



domingo, julho 06, 2003

46 minutos

2h00 da manhã, barba de 12 dias, cabelo desgrenhado, monitor a precisar de ser limpo. 4 dias fechado em casa, horas perdidas em que se estudou tão pouco. Pergunto-me se haveria mesmo necessidade de ter feito um site em tempo de tantos exames. Pergunto-me quando é que vou dizer a alguém o endereço. Pergunto-me se não irei apagar todos os textos da próxima vez que aqui me sentar. Pergunto-me quem me lerá, quem responderá, quem não perceberá. Percebo agora que é quase impossível publicar alguma coisa que não tenha algo íntimo de nós. Tento não me transparecer e pressinto que, depois, vai ser difícil falar do que escrevi. Que se lixe. Que ao menos seja uma espécie de exibicionismo implícito e não um auto voyeurismo virtual. Leio outros blogs pela primeira vez. Geniais, sublimes, maduros, superiores. Paro, para não cair na tentação de plagiar alguma ideia. Agora não sei mesmo se terei a vaidade necessária de mostrar estas merdices que escrevo. Terei. Afinal todos temos esperanças que alguém se interesse pelo que dizemos. (não contando à partida com padres, psicólogos e políticos). Tornou-se nestes dias, a escrita, o contacto com o exterior. Ou não, comigo. Estou conectado ao mundo apenas pela televisão e pela Internet. Desconectado de todos.

È incrível a quantidade de tarefas que não se fazem em mais de 6 meses e que depois, em apenas 5 dias surgem. Uma após outra até que se procrastine até aos últimos dos esforços físicos. Arrumam-se estantes, desarrumam-se memórias, descobrem-se novos sons. Basta uma música, sempre no “repeat” para que a preguiça de cumprir um dever chegue. Como diria o Manelinho dos livros da Malfada:« a preguiça é a mãe de todos os vícios e uma mãe é uma mãe, há que respeita-la». Sorrisos, Bds relidas, retratos caídos, apontamentos em branco. O escuro, a noite. Silenciosa, inerte. A ventoinha do pc, o som que se repete. DVDs alugados, powers da tv infinitamente premidos e despremidos. Políticas educativas, unidade sindical -Trabalho de SEPE - Cabeça voltada ligeiramente à direita, lê-se, memoriza-se, modifica-se, tecla-se. Volta-se novamente a cabeça. Repete-se. Farta-se. Casa de banho, mesmo sem vontade fisiológica. Espelhos. Inspira-se fundo. Arranjam-se motivações de hora em hora, de final de programa em final de jogo de futebol. Será assim a mais alguém? Isolamento. “Estuda”, ouve-se. Sermões, o meu futuro, desenvolvimento sócio moral -Página 69. Sexo. Assembleia da República: Estimulação da oposição. Sexo. Cadências, ritmos, melodias. Tentativas de fuga. Culpabilizações. Mais 5 páginas tecladas, mais 4 exercícios resolvidos, mais 3 folhas lidas. 2horas e meia da manhã. 1 corpo que se estende na cama. Meio copo vazio. Zapping, “mute”, 87.5, interferências, telefonias sem fios, comercialidades, marginalidades, voxx.. 4 dias sem ouvir a minha voz. Rio-me ao mesmo tempo que digo, alto, um impropério. Frigorífico. Dispensa. Regressos. Limpezas. Arrumações, planos. Desejos : que com pressão se trabalhe melhor, que a barba seja feita, que se passe ou que não se chumbe, que cheguem rapidamente as férias, que se saia, que se redescubra o mundo e os amigos. Que essencialmente este estado de pré demência tenha um fim. Amanhã é mais um domingo no mundo. Luzes apagadas. Intervalos. Inquietudes. Saudades. Vazio. Esperanças. Duas horas e 46 minutos, cabelo desgrenhado, barba de 13 dias, jovem a precisar de dormir. G.F.C.


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sábado, julho 05, 2003

momentos

«Quando junto a minha mão negra, na tua mão Irmão branco, a sombra que no chão as reflecte é exatamente da mesma cor»

actor negro brasileiro, surgido de um zapping já quase o dia nascido.

Morreu o bosquímano mais famoso do mundo


Quem não se lembra com saudade das gargalhadas que deu ao ver essa paródia mítica que marcou as nossas vidas: Os Deuses devem estar loucos. O filme é único, simplesmente genial. Apenas com alguns diálogos e muito humor físico à mistura com os célebres estalidos, conta a estória de um bosquímano que encontrou no deserto sul-africano uma garrafa vazia de Coca Cola atirada pelo piloto de um pequeno avião que sobrevoava a região. A garrafa, um objecto desconhecido pela personagem prinicipal, "Xi"e pela totalidade dos membros da sua aldeia, provocou o caos e confrontos físicos entre os elementos da comunidade. A história prossegue com a obrigação de "Xi" livrar-se da garrafa, deitando-a ao mar junto "ao fim do mundo", na costa sul- africana. Nunca imaginaram os actores deste filme que dariam a conhecer ao mundo a sua simples e descomplexada civilização. Nunca imaginou, "Xi", interpretado pelo actor N!Xau (assim mesmo com um ponto de exclamação que, imagino eu, deverá corresponder a um estalido) que a sua actuação brilhante e despojada corresse os 4 cantos do mundo.

Este filme, ou a triologia, se não estou em erro, traz-me recordações gratas. Foi o primeiro filme que me lembro de ter visto em casa, quando se comprou um video Beta, acho que ainda nem idade tinha para me lembrar bem do que quer que fosse. Além disso, nunca esquecerei uma cena em que dois bosquímanos, na segunda ou terceira sequela, tentam sair de um tanque da água. Nunca esquecerei, também porque esta cena foi "sorrida" e partilhada com o meu pai, na única vez que fui ao cinema com ele. Há momentos que ficam gravados e sem dúvida, o ar de basbaque com que Xi fica ao levar com a garrafa de coca cola na cabeça e toda a sua demanda em se livrar desse objecto dos loucos deuses, irá soltar em mim sempre um sorriso de admiração e saudade.

É pois com tristeza que descobri há momentos, através do 24 horas, na pausa de um estudo entediante, que o actor N!Xau tinha falecido. Segundo a agência lusa :

O mais conhecido "Khoisan" ("bosquímano") do mundo, N!Xau, a estrela do divertido filme sul- africano "Os Deuses Devem Estar Loucos", morreu esta semana em circunstâncias ainda por apurar, noticiou sexta-feira o diário "Beeld".N!Xau, que se acredita que contava 59 anos, foi encontrado morto numa floresta dos arredores de Tsumbwe, na Namíbia, próximo da fronteira com a África do Sul, onde residia. Segundo aquele diário de língua "afrikaans", citado pela agência noticiosa sul-africana, SAPA, N!Xau havia saído de Tsumbwe segunda-feira para ir à floresta apanhar madeira, mas nunca regressou, tendo o seu corpo sido encontrado dias mais tarde.

Poderá dizer-se que morreu o melhor actor bosquímano da história, mas também se poderá afirmar que morreu um homem único na história do cinema. Em 1980, Os Deuses devem estar loucos, rendeu qualquer coisa como 60 milhões de euros e N!xau continuou na sua pacata aldeia, apanhando madeira, vivendo de tanga. N!xau preferiu a sua comunidade, a sua realidade, a sua maneira simples de estar na vida à vida nas grandes cidades, ao mundo dos que se criaram Deuses de si mesmos. Talvez também ele nos julgasse loucos. Gostaria de saber quais as suas reacções a este nosso mundo, quando por exemplo lhe pagaram viagens a França, Estados Unidos e Japão. O que terá pensado sobre a Torre Eifel? A que terá associado os arranha céus de Nova Iorque? Terá saudado com aquele seu sorriso característico milhares de humanos amarelos com olhos rasgados, e máquinas relampagueantes focadas em si? Não sei, mas como será essa experiência de encontrar assim este mundo? Como será ter na campa do cemitério "morreu, acredita-se, com 59 anos"?

Estou quase certo que neste momento as 3 cadeias de televisão nacional estão em pulgas para transmitir o filme em horário nobre, talvez já na próxima semana. Nestas mortes mediáticas acontece sempre isso. Talvez agora, que temos novas gerações mais consumidoras, o filme triplique as suas audiências. Talvez relembremos ou descobramos os bosquímanos, "Xi" e a garrafa de cocacola. Eu marco já o meu lugar. Afinal de contas a minha infância também se fez de "Xi" e a ele o meu obrigado. G.F.C.




oracludosbasbaks@mail.pt

sexta-feira, julho 04, 2003

«Sadam diz estar vivo»


«Sadam diz estar vivo». Não, não é um tema de nenhum programa do outro mundo, não é uma citação da Pomba Gira. É mesmo um cabeçalho do noticiário das 19h do Canal Sic Notícias. Sim, é verídico, estas 4 palavras apenas. Alegadamente, a cadeia de televisão Al Jazeera, noticia a existência de uma gravação onde o sósia do nosso Quim Barreiros afirma estar vivo, preparando uma resistência e apelando à revolta contra o invasor ianque.

Ao que parece, fontes seguras próximas do ditador, afirmam que este se encontra bem de saúde, escondido algures num bunker ainda não detonado pelos americanos, quiçá, mesmo por baixo do quartel general da administração busheriana. Sadam tem aproveitado para escrever ( com o seu próprio sangue, aproveitando as hemorragias dos sósias mortos em combate heróico) novos surpreendentes versículos do Corão, tem utilizado a internet para frequentar sites duvidosos e encomendar champagne francês que emborca por cada boa nova de soldados inimigos abatidos. Além disto a música tem acompanhado os seus tristes e solitários dias. Uma vez que a rádio iraquiana se tornou «livre», as frequências do país berço da civilização só passam música anglosaxónica. Algo que terá irritado Sadam. Porém, num golpe de sublime ironia, Hussein soube tirar proveito desta nova liberdade cultural nesta sua Primeira Aparição. Vejamos. A gravação onde Sadam diz, afirma, certifica o mundo, que não está morto, é acompanhada de êxitos dos Bee Gees Staying Alive e dos Pearl Jam Alive.

Sinceramente não sei se está vivo, se está morto. Que se preocupem os americanos e os ingleses cujos cidadãos do seu país são emboscados e mortos todos os dias. Estes, ao menos que no último suspiro, antes de dizerem "tell her i love her", se sintam felizes por ter dado a vida pela luta de um mundo mais justo e igual. Que ao menos morram iludidos. O que realmente me preocupa ou não, é a forma como são dadas estas notícias. Mesmo sem querer estar a analisar o possível pleonasmo ou a lógica deste cabeçalho da Sic Notícias, é com esgar de felicidade que o leio e que me alegro por se fazer tão bom humor em Portugal. Espontaneamente, assim o espero.

Resta-nos também esperar pela Segunda Aparição, talvez a 4 de Agosto. Esperar pelo merchandising à volta do Santo Sadam - Fénix Renascido, pela venda no Alabama de pelos do seu bigode garantidamente genuínos, pela leilão em Londres da sua úlltima boina, por toda a capitalização à volta de mais um mito moderno. Tenho pena que Sadam nunca tivesse lançado um CD. Foi mal pensado por parte das grandes editoras multinacionais. No dia em que Sadam dissesse "estou morto", para os meios de comunicação de todo o mundo, as vendas planetárias do seu trabalho discográfico iriam disparar.

Pois bem, enquanto a saga não tem mais desenvolvimentos, enquanto o outro Basbaque, Ali o Cómico não tiver um Late Night Whit Ali, na CBS, enquanto não usarmos todos como recuerdos uma T - shirt do Hard Rock Café Bagdad, apreciemos em paz estas coisas insignificantes que nos rodeiam. Que todos saibamos dizer, tal como ele: «estamos vivos». G.F.C.

oracludosbasbaks@mail.pt

basbaque


basbaque, s.m. O que pasma de tudo; que fica e boca aberta, a observar coisas insignificantes.|| Estólido, parvo, pateta, insensato.


Machado, J. 1981, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Lisboa: Amigos do Livro Editores

quarta-feira, julho 02, 2003

declara-se inaugurado, a 2 de Julho de 2003, o Oráculo dos Basbaques. Sem pompa. Sem circunstância.


Iniciar. Largar amarras. Partir ou encontrar uma razão para tal: qual a acção que requer mais difícil resposta? “Oráculo dos basbaques” é um local feito por e para homens insignificantes. Para homens que se pasmam por coisas que à partida não tem valor. Sim, é um refúgio para todos os parvos, para todas as estólidas. É também, o resultado de 21 anos de pesquisa aprofundada, de recolha metódica, ou não.

Oráculo de dos basbaques é uma necessidade do momento. Um impulso. Não uma missão, mas a forma de eu, de tu, basbaques, estarmos sozinhos. Não pretende ser poço de lamúrias, um muro de lamentações ou um templo de desabafos. Pretende sim, ser um local onde Deuses e basbaques anunciem as suas vontades. Onde a palavra de alguém não tenha qualquer peso, não padeça de grande autoridade e acima de tudo não inspire confiança.

Que apenas se leiam pequenos nadas, neste humilde e pretensiosa ermida familiar, portuguesa, atascada com o odor a grafemas de plástico que sabem a Fado e o cheiro a Saudade que se vê nos que partem antes de clicarem ou carregarem a última cruz.

Oráculo aberto ao público, às ideias, às críticas, ao sarcasmo, ao cinismo, à sátira, ao castigo, à má política, aos bons ladrões, aos maus preceitos, às boas acções, aos sucessos de uns, às bolas na trave de outros, aos sorrisos tecnológicos, aos fraquejos biológicos. Oráculo aberto aos homens.

Que não se tente falar muito bem, que não se digam verdades. Que não se seja misterioso e acima de tudo que não se seja decisivo. Basbaques somos os ficamos de boca aberta perante o Mundo. Basbaques os que pequenos, queremos viverem a vida de grandes. Basbaques os desterrados desta vida e enterrados pela morte. Basbaques os que se corrompem fartamente na sua intimidade mas capazes da mais sublime máscara quando em palco consigo e com os outros. Basbaques ambíguos. Basbaques capazes do pior e do melhor. Basbaques sem certezas a não ser a de que, aqui, se pode escrever para alguém e sem esperanças a não ser que esse alguém nos visite.

Gente simples com egos por descomplicar ou gente complicada com egos por desimplicar? Gente sem egos? Egos sem gente? Vem mas não nos sigas. Fica apenas. Aqui terás palavras de insignificância, para ti e para as ordas de viajantes invisíveis que chegarem por esses trilhos virtuais. Nega à partida a ciência que desconheces. Nega-nos, porque para dizer a verdade nem sabemos bem o que é um blog. Para sermos sinceros, nunca lemos nenhum. Nem sabemos o que se faz por ai, nem quem está envolvido. Temos receios, mas somos apenas basbaques, a responsabilidade está com os grandes. O nosso dever, apenas um, questionarmo-nos. O nosso direito apenas um também, estarmos sós, contemplando.

Que soem então as trombetas que no dia 2 de Julho de 2003 nasce, literalmente do nada e da madrugada de um novo dia, O Oráculo dos Basbaques. Declaremos inaugurado este antro de mal dizer, de amores ardentes, de más fortunas, de erros, e de pequenos nadas. A lágrima solta-se, ao ecoar em néon e ao longe, "Oráculo dos Basbaques”.

Um aldrabão começa a espalhar a Boa Nova para júbilo dos que precisavam de profetas. Um velho sensato avisa: "nasceu outra porcaria efémera"; "Nome ignóbil" dizem os ignorantes; "será ucraniano?" dizem os vizinhos, "paradoxo baseado na obra filosófica antropomórfica grega de Sicranostein" diz um piquiquiano; "apenas mais um blog" dizem os putos do futuro, que perceberão os fenómenos sempre melhor que nós. Ou :"Apenas algo criado numa noite de suposto estudo em que se fez tudo menos o proposto" disse, então, um dos basbaques.

Nasceu. Já se pode dizer que viveu. Só lhe falta morrer feliz. G.F.C.


p.s. custa escrever mas criticar não: oracludosbasbaks@mail.pt