segunda-feira, dezembro 27, 2004

"Os demitidos"

Fazia falta animar a malta e no dia em que me chegaram as novas deste ânimo estava a entrar na cantina "Murialdo" em Pádua. Foi o Tiago que chegou junto a mim e sem me cumprimentar, disse-me: «O governo caiu», mostrando-me uma mensagem de telemóvel vinda há pouco de Portugal. E a noite dionisíca foi longa, brindando de ponta a ponta toda a coligação.
Sabendo Pessoa, um espanhol estudante de filosofia comentou-nos que hoje «afinal alguém se tinha perdido...» Sorrimos e fizemos mais um brinde aos "demitidos". Não é todos os dias que longe da pátria nos chegam boas novas de mudança.
Agora que estou de regresso por aqui,quase que imagino Santana e Portas, a dupla já sem trono, entrar na próxima estação de metro e cantarem um para o outro (em jeito de parelha romântica) a música do novo Palma que agora os meus auscultadores exalam ironicamente... G.F.


Estás demitido, obviamente demitido
tu nunca roubaste um beijo
e fazes pouco das emoções
és o espantalho dos amantes.
Estás demitido, obviamente demitido
evitas a competência
não reconheces o mérito
és um pilar da cepa torta
E assim vamos vivendo

na província dos obséquios
cedendo e pactuando enquanto der
filósofos sem arte, afugentamos o desejo
temos preguiça de viver
Estás demitido, obviamente demitido

subornas os próprios filhos
trocaste o tempo por máquinas
tu és um pai desnaturado.
Estás demitido, obviamente demitido
arrasas a obra alheia
às vezes usas pseudónimo
tu és um crítico de merda
E assim vamos vivendo...
Estás demitido, obviamente demitido

encostas-te às convergências
nunca investiste num ideal
tu sempre foste um demitido
tu foste sempre um demitido

já nasceste demitido!

Os demitidos, "Norte"
Jorge Palma, 2004

sábado, dezembro 25, 2004

Let me sleep

Uma música de Natal, em inglês, da minha banda preferida. Porque me identifico com a letra e porque é bonita.

Cold wind blows on the soles of my feet
Heaven knows nothing of me
I'm lost nowhere to go
Oh when I was a kid oh how magic it seemed
Oh please let me sleep it's Christmas time
Flowered winds was where I lived
Thought you burned not froze for your sins
Oh I'm so tired and cold
Oh when I was a kid oh how magic it seemed
Oh please let me sleep it's Christmas time
Oh oh when I was a kid oh how magic it seemed
Oh please let me sleep it's Christmas time
Oh oh when I if I was a kid oh how magic it seemed
Oh please let me dream it's Christmas time

1991, Vedder
Este ano nem sequer enviei mensagens, limitei-me a passar um simples e feliz natal, partilhado de conversas. O que tenho a dizer sobre o Natal, disse-o o ano passado neste Oráculo e hoje volto a publica-lo. Porque sinto exactamente o mesmo que há um ano. Talvez fizesse algumas correcções mas agora estou a comer rabanadas e o tempo escasseia quando voltamos gostativamente aos sabores da terra e nos perdemos nos glícidos lusos sabores. Antes de fazer o banal copy paste, cito uma amiga minha que sem querer disse uma frase que resume na perfeição todo o sentimento frustrante pós-natal: «Que vida a minha, até nas calças de pijama tenho de fazer baínha».G.F.
Dia 25 de Dezembro, Natal. Já não acordo de madrugada para correr para a árvore enfeitada em busca dos presentes que misteriosamente alguém fazia o favor de me oferecer. Essas entidades ou mágicas ou suspeitosamente parentais acertavam sempre no que queria pois também as escolhas eram sempre poucas e bem definidas. Já não me deito a 24 com a ânsia de adormecer rápido e acordar como um flecha disparada em direcção à sala. Já não acordo para um dia pleno de liberdade, um dia passado inteiramente a brincar satisfeito. Então, consumia-me em jogos, deleitava-me com as peças por montar, gritava e saltava comovendo-me a cada descoberta camuflada debaixo dos embrulhos rasgados.
Já cresci um bocadinho mas o que o passar dos anos inevitavelmente me tirou hoje ajuda-me a sorrir quando me revejo na cara dos que realmente vibram com esta data especial, os pequenos. A eles o Futuro, a eles os presentes. Aos outros, resta-nos a esperança que não tenham perdido essa pequenez, que ainda comunguem réstias de inocência. Porque ainda há muitos dos outros que teimam em escrever e refazer o Natal. Têm que o pintar sempre de novas formas obcecados pela originalidade, pela melhor forma de chegar a um maior número. Escrevem e rescrevem, consomem, vendem e reciclam o tema, até à exaustão. Há outros que começam a trabalhar meses antes, idealizando montras, desenhando luzes, enfeites, jogos de som. Tudo tornam eléctrico, computorizado, maquinal. Constroem sonhos em plásticos e metais. Hiperbolizam emoções em jogos para consolas. Os fazedores de notícias seleccionam as que melhor espelham a pobreza que nesta quadra de luxúria assume lugar de obsceno destaque. Uma vez por ano, a paz. Uma vez por ano, o amor. Uma vez por ano lá se embala Jesus. Uma vez por anos os outros lembram-se que há outros porque é slogan o fazerem. E nós, já também somos aos poucos já os outros que são muitos. Vamo-nos esquecendo do silêncio num mundo de infinitos estímulos. Onde a plenitude das chamas dos madeiros na noite fria das aldeias nos deixou de aquecer, substituída pelas televisões ligadas nos urbanos apartamentos. Onde a tradição ainda é o que era mas sem se perceber porque é. Talvez o limite que estamos a chegar nos desperte a vontade de travar este ritmo frenético. Parar de deitar mais lenha, apreciar o rubro das brasas ténues. Talvez nos próximos Natais não sinta necessidade de escrever mensagens de Natal pois já o fiz e tentei mudar em mim o que nelas critico ou realizei os sonhos que nelas tracei durante o resto do ano. E é tão grande esse resto…
Já não acordo de madrugada, deito-me de madrugada. Mas ainda sou feliz no meio do torpor desta melancolia natalícia. Há felizmente o cheiro dos livros oferecidos, bilhetes por obliterar numa viagem desconhecida por fazer. Há os sonhos que ganham sabores, as rabanadas, a canela. Há os saltos de alegria e a cara de basbaque do meu primo depois de receber um barco de piratas. Existe a infância dos meus tios e dos meus pais. Existem as vitórias ao “Pictionary” das orgulhosas gerações vindouras que no “Trivial” levam baile dos quase reformados.Existem coisas pequenas, mesquinhices, consumos, mensagens de telemóvel banais repetidas para a lista completa de contactos. Existem pequenas guerras como em qualquer família. Mas nós, os que podemos ler blogs, carregar 70 vezes no “enviar sms”, comprar o último perfume da Hugo Boss, passar o ano em Barcelona, temos mais que algum conforto financeiro: temos segurança e esperança. Nós temos Futuro, mesmo desconhecendo-o. Há outros, estes também muitos, sem quaisquer horizontes. Como diria Sidónio Muralha: «Hoje é dia de Natal, mas quando será de todos?».G.F.

segunda-feira, dezembro 13, 2004

"mulher de Famalicao"


Tem-se a necessidade de escrever para outros, para outro. Podemos enganar-nos e dizer que imprimimos palavras vendo-nos como receptores, mas a verdade è que se publicamos, se temos um blogue, é porque existe uma segunda pessoa a quem gostariamos de contar uma estoria, um desabafo. Eu pelo menos tenho descoberto isto, que escrevo para apenas algumas pessoas. Construo publicos, audiencias, espectadores reais ou hipoteticos. Depois sento-os na minha mente, frente a uma janela do internet explorer e espero que me ouçam, me leiam. Compreendendo-me ao mesmo tempo que vao sorrindo, imagino.

Na verdade acho que depois de ler todos os posts do ultimo ano e meio chego à quase certeza que apenas vislumbrei um vulto, sentado talvez ao meu lado, que realmente gostava que me lesse. Os outros, poucos, foram e sao talvez apenas « alguens » que gostava que soubessem do que ando a falar hà tanto tempo com esse vulto. Nao vos falo de um amigo imaginario mas um vulto feminino, sem rosto e sem aspiraçoes eternas a musa pessoal. Apenas uma mulher ainda com um vèu sobre o olhar da alma, um veu que ainda nao tive oportunidade de destapar.

Sim, enganei-vos. Sempre fiz de vos personagens secundarias, alguns quase figurantes daquilo que sempre quis dizer à protagonista de uma personalizada doce epopeia idilica, lenda de todas as lendas de amor. Durante este tempo sempre escrevi sobre tudo, mas a intensa verdade è que a força motriz impulsionadora da escrita nao foi a tentativa de descoberta de novas teorias sociais, nao foi a procura da denuncia do sofrimento ou da alegria da humanidade, nao foi a partilha de poemas ou imagens de basbaques geniais. Foi sim a eterna e terna seduçao atraves da escrita. O engate puro em forma de grafemas de plastico. Nao quis iniciar qualquer discussao intelectual : quis encontrar alguma mulher que amasse o que escrevesse. Que me amasse conhecer.

Peço perdao a todos os que nao compreendem o facto de tudo o que alguns homens fazem ter a ver, em ultima analise, com as mulheres. Que muitos de nos (ou talvez jà poucos) imaginamos travessias solitarias no desertos de relaçoes faceis para encontrar o oasis de alguem especial. Que as nossas verdadeiras ambiçoes se resumem à tentantiva que uma rapariga, sempre a mesma, exista, ao final de cada noite, nos oiça, nos confidencie que fomos e somos felizes nesse presente. Que nos realmente conheça e goste muito do que conhece. Esta è a simplicidade que todos nos, os que buscamos um braço suave no ombro, auguramos : adormecer feliz no silencio de dois sorrisos, sem adverbios, sem adjectivos, sem adversativas. Nao queremos ser peritos em engenharias do quotidiano, nao queremos ser pragmaticos quando as noites caem, nao queremos razoes que tantas encruzilhadas nos traçam. Tentamos subir às estrelas que de vez em quando podemos ver, fugir de multidoes em direcçao a lugares inospitos feitos de amor entregue.

Uns somos bebados, outros somos apaixonados, outros somos poetas, bebemos a vida ora com sofreguidao ora boiando desatentos. Uns escrevem, outros pintam, outros compoem, esculpem, actuam, dançam para e por alguem que apaixone por si. Que se apaixone perdidamente por si. Uma mulher, um homem, o mundo.

Por tudo isto considero a maioria das minhas palavras, meus restos mortais, que aqui deposito, como engrenagens feitas de rodas dentadas de engate discreto, puro, às vezes patètico, outras vezes magico. Se esta inspiraçao fosse um exercito, seria um exercito de automatos programados com todos os meios tecnologicos ainda por inovar para encontrar a felicidade no corpo de uma mulher. Uma mulher bonita. E bela, tambem. Porque o corpo pede sempre um pouco mais de alma. Preciso inconscientemente de conquistar, de impressionar o mundo inteiro, de fazer amor com ele na forma de uma mulher especial. Primeiro seduzindo-o, enlouquecendo-o, desarmando-o, amando-o, consumindo-o selvatica e urgentemente com uma doce lentidao. Preciso de haver o fado afortunado de usar esses momentos em que todas as vestes materiais e imateriais se despem e por segundos conseguimos responder com toda a certeza a todos os porquês do Universo. Segundos de infinito turbilhao de sentidos, desprovidos de ansias, de medo, de perceptos, de construtos, de gramaticas, de linguagens. Neste pleno e pequeno mito que se torna o tudo, vive a meta da minha escrita. Na tentativa de o buscar, evado-me e esqueço-me das nossas vidinhas onde transbordam tantas emocoes faceis de consumir. E vai dando para viver numa vaga esperança de que tudo terà essa mudança, de que um dia posso tirar a mao do queixo.

Redescubro tudo isto aqui longe de Portugal, nao por estar melancolico, ou triste, ou sozinho mas por redescobrir que afinal tudo deriva ou tudo acaba no mesmo. Que o mais importante existe em mente nos minutos antes de abrir ou fechar os olhos, sozinhos na obscuridade.

Depois das noites de perdiçao nos braços de mulheres vulgares, lugares bonitos num mapa europeu, mas com nomes e passagens faceis de esquecer, redescubro que me faz falta uma Capital onde pousar a mochila, querer permanecer. Provavelmente faço a cronica de uma morte anunciada : o final da escrita neste blogue acontecerà no dia em que encontrar esse Porto de Abrigo. Porque nao precisarei de viajar mais, ou melhor, porque a viagem que foi este blogue nao terà o mesmo sentido. Porem, agora tem sentido, e assim mais tarde ou mais cedo aqui escreverei novamente coisas diferentes, consciente ou inconscientemente procurando o vosso ou o teu amor.

Um amor que poderei encontrar aqui em Italia, ou quase certamente que nao :
Como diria um grande amigo, cumplice de noites de Bairro, afortunado ha pouco tempo nesta busca que ambos partilhamos : « essa mulher para amar deve estar em Portugal, quem sabe provavelmente numa cidade pequena, talvez em Famalicao » - Tem sido isso que me tem faltado, nunca estive nem nunca conheci ninguem de "Famalicao". G .F .