domingo, junho 27, 2004

Vivendo o Euro2004 IV - a minha avó e o Euro

Não falava com a minha avó há muito tempo. Hoje ao telefone falou-me da felicidade que teve, mesmo sozinha, na quinta-feira à noite depois do jogo. A minha avó mora a alguns quilómetros do santuário de Fátima. Disse-me que nunca lá tinha visto assim uma manifestação pagã e espontânea tão grande. Disse-me também um pormenor delicioso: «Ao longo da minha vida, já tinha ouvido falar muito dessa coisa dos penalties. Com esta minha idade só na quinta-feira é que descobri o que eram». G.F.

okupas de palmo e meio

No intervalo do estudo, decidi ir à janela ver quem alegremente fazia barulho lá fora. Devo ter sido, juntamente com o meu vizinho de baixo, das últimas pessoas que brincou ou jogou à bola aqui ao redor do prédio. Há uns 7 anos que não se ouve nem se vê vivalma por estas bandas nas tardes solarengas de Domingo. Hoje, quando abri a janela, olhei para o pequeno relvado e tive uma agradável surpresa, vi uns 5 putos a tentar subir uma árvore. Quando ainda estava a percorrer com o olhar a sua torre de castelo por conquistar, eis que surge, à altura da minha janela quase sobre o meu parapeito, a cara de um miúdo, enganchado no meio dos ramos. Disse-me:
- Olá.
- Olá, então o que estão a fazer?
- Olha a subirmos às árvores, vamos construir uma casa.
- Está bem, mas quando fizeram as janelas, não as virem para aqui, senão descobrem que passo as tardes de domingo a ver televisão em vez de fazer os trabalhos de casa.
- Está bem, nós não fazemos. Mas ao domingo não dá nada de jeito, é mais fixe subir às árvores.

Ri-me, fechei a janela, fui tentar estudar. Antes tivesse uma árvore à minha espera que as malditas fotocópias. G.F.

sexta-feira, junho 25, 2004

Vivendo o Euro2004 III - Cumpriu-se Portugal.

Se tanto me ajudar o engenho e arte que eu consiga chegar ao fim deste relato hoje. Escrevo ainda com lágrimas por enxugar depois de uma noite realmente “fantomatica” como diria um amigo meu italiano que não teve a mesma sorte ou Caravagio que nós. Uma noite que pareceu não ter acontecido. Fantástica, sublime, maravilhosa, inesquecível. Uma noite de paixão patriótica e de união nacional. Uma noite que da lei da morte se libertará. Histórica, de vitória. De sofrimento. Apaixonante. Qualquer um de nós já grisalho se lembrará onde estava naquela noite em que sem luvas Ricardo nos ofereceu a esperança e com os pés nos devolveu a glória. Enalteçamos agora o querer português e a confiança humilde com que partimos para esta batalha que se revelou dramática, sufocante, taquicardíaca.

Ontem fomos um por todos e todos contra a Inglaterra. Nesta pátria biológica ou adoptada, paquistaneses, alentejanos, ucranianos, minhotos, chineses, trasmontanos, angolanos, tripeiros, timorenses, beirões, brasileiros, ribatejanos, cabo-verdianos, alfacinhas, moçambicanos, algarvios, guineenses, ciganos, são-tomenses, checos, croatas, letões, búlgaros, gregos, holandeses, suíços, espanhóis, italianos, franceses, dinamarqueses, suecos, alemães, russos, todos gritámos no fim: Portugal, Portugal. E ao mesmo tempo que nas “Downing Streets” desse mundo se reiniciavam as discussões acerca de invasões estratégicas e aquartelamentos, minutos depois de rebentar a maior alegria colectiva a que já provavelmente assistimos, um inglês agarrava na minha bandeira, colocava-a aos ombros e a chorar gritava “Por tcho gal”. Pouco depois dizia-me abraçado a mim que nunca tinha aqui estado e que amava este país. E o amor que se espalhou pelos bares, pelas estradas, por todos esses trilhos resplandecentes de portugalidade, pelas ruas e janelas lusas das gentes de todas as idades, gentes da minha e da nossa terra, a gritar, a chorar, a cantar, a saltar, com uma alegria pura, fizeram da noite de ontem uma noite de liberdade. Sem frustrações, sem complexos de inferioridade, cientes das nossas capacidades, como um só Povo. Um pais que se vai esquecendo que é lindo, que é feito de gente de sorrisos fascinantes.

Ontem, acabei a noite como tantos outros. Sentei-me em cima do tejadilho de um “Fiat Tipo” frenético pela marginal, erguendo ao vento a bandeira, tendo à esquerda o Tejo, à direita Alfama, ao fundo o Mar e o Cristo Rei. Entre gentes de todos os catálogos, simples e refinados portugueses. Ora gritando pelo meu país, ora saboreando a brisa fria mas tão quente que me deixava os olhos cada vez mais em lágrimas. Ontem senti que podíamos ser mesmo nobres. Ontem senti-me valente. Ontem senti a voz mátria sussurrar-me ao ouvido. Ontem fui eu que defendi aquele penalty. Ontem fomos nós que o marcámos. Ontem fomos Heróis. Ontem cumpriu-se Portugal. G.F.




Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar
S.Godinho

segunda-feira, junho 21, 2004

Vivendo o Euro2004 II - O povo saiu à rua com a alegria que costumava ter





Os velhos do restelo, os intelectuais desapaixonados, os jornalistas fuínhas, que aproveitem a boleia de nuestros hermanos. Portugal precisa de quem acredite que somos capazes, que quando queremos somos melhores. Acreditámos no mito e foi D.Nuno, o Mestre que deu o verde à alma lusa, o vermelho ao sangue que nas artérias correu veloz num jogo de sofrimento, até ao minuto final da consagração. Nós acreditámos e nós vencemos. O Euro já está ganho há muito, mas ontem a vitória teve um sabor especial. Nas ruas,nas bandeiras, nos cânticos do povo luso aos milhões e do povo inglês, grego, russo, croata, alemão. «España intera esta de borrachera» gritavam os espanhóis. Nas avenidas, nas ruas, nas pracetas, nos bares, de bmw ou de fammel. A festa é nossa. Tinhamos o Euro, agora temos uma equipa. 10 milhões de convocados para consagrar a festa do desporto, se possível, com outras centenas de outros países. Sem fronteiras. Porque um abraço a um estranho não tem preço. Porque o povo pode não ter mais oportunidades de sair à rua com a alegria que teve ontem. G.F.

domingo, junho 20, 2004

coração vagabundo

Sem palavras para escrever, sem vontades para estudar. Não atinjo aquele ponto em que ainda não sinto necessidade de estudar, uma espécie de ponto de embraiagem em que o pedal da esquerda é o começar concentrado e o da direita a pressão de véspera. Ora me perco nos afazeres inúteis inimagináveis ora me encontro a olhar para parágrafos repetidos de desmotivação. Amanhã é mais um domingo em que se tentará a glória. Era bonito ganhar. Era bonito ganharmos.

Era também bonito que eu me agarrasse às já muito pouco quentes fotocópias e não confiasse mais uma vez na extrema sorte que tenho tido ao longo destes anos. Não acredito que precise mesmo de uma derrota para perceber que é preciso lutar para ter glória. Luta-se de alma aberta, acredita-se no triunfo quando definimos o que ele é. Eu ainda não descobri o que significa na minha vida futura o triunfo. Como podemos embarcar numa demanda por algo tão indefinido concreta e abstractamente?

De qualquer maneira, seja qual for o fim, a busca tem de ser feita a dois. Uma viagem sem ter um relato, sem alguém que nos ouça e se delicie com as nossas estórias, a nossa felicidade, é uma viagem híbrida. Sinto que chegar ao final do dia feliz sem ter ninguém para o dizer é chegar ao principio da noite triste. Os futuros pintam-se a dois. A duas cores, como aquelas alturas em criança, quando pegávamos com a mesma mão em dois lápis de cores diferentes e riscávamos duas linhas eternamente paralelas, rodopiando ao sabor do papel, sem arriscar finais.

Pois eu que agora aqui me sento, sei que tenho que ir estudar. Mas mesmo que estude, mesmo que passe, mesmo que tenha 18, não acrescento nenhum lugar ao meu itinerário. Não adiciono barreiras transpostas na minha caminhada. Quando se deriva, regressa-se sempre e ao mesmo tempo não se regressa nunca. Ainda vou a tempo de, neste momento, ser tudo. Mas ás vezes é preciso ser-se tudo para alguém, para não se ser ninguém.

...

Paro. Releio o que escrevi e não sei se fará algum sentido. Aliás já nem sei do que queria falar hoje. Talvez de mulheres, como faço em quase todos os textos. Paro novamente, oiço um novo álbum, Bebo Valdez e Dieguito El Cigala. De Espanha chega-me este lindo vento e um fantástico casamento entre saxofones, piano, violino e o gitano Flamenco. Apaixono-me pelo que oiço. Tento recomeçar a escrever e redescubro que a escrita é um vício como todos os outros que servem para nos apaziguar a mente quando «temos um dever e não o queremos fazer». Um vício perigoso em que a viagem que fazemos não nos impulsiona para o universo social imenso, lá fora. Faz-nos sim mergulhar dentro de nós. E tal como acontece com qualquer outro vício vou tentar agora extingui-lo, não sem antes interiorizar que é algo benéfico, que me dá prazer. Como qualquer outro vício.

Cinjo o meu prazer ao que agora oiço, à canção número 10 “Eu sei que vou te amar”, cantada com sotaque espanhol. Por momentos sou luso-espanhol. Por momentos fico em dúvida se não ficarei triste se a Espanha perder amanhã.

Não vou ficar. Caetano Veloso surge a meio da canção. Apenas falando. Poesia. Na nossa Língua Portuguesa. E tudo faz sentido:

«Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o
que quer. Meu coração de criança não és só a lembrança de um
vulto feliz de mulher que passou por meu sonho sem dizer adeus e
fez dos olhos meus um chorar mais sem fim. Meu coração vagabundo
quer guardar o mundo em mim.»

Doce e tocante.
Portugal amanhã vai ganhar, fui eu e seremos nós que continuaremos a descobrir e a guardar este mundo. G.F.

sexta-feira, junho 18, 2004

Forest Gump

Quando decidi escrever um blog sobre basbaques, momentos ou gentes, a segunda pessoa em quem pensei foi em Forest Gump. A minha personagem de cinema preferida. Havendo um mundo de inteiro de gente a embasbacar-se, ele seria o líder. Linda é a cena em que diz: «Eu não sou um homem inteligente mas sei o que é o amor.» Forest Gump

quinta-feira, junho 17, 2004

Porque 19 de Junho faz 60 anos, Chico Buarque.

João e Maria

Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedel e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigada a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país


Não, não fuja não
Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Sim, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido


Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim


Sivuca - Chico Buarque/1977

velho

Descobri que estou mesmo velho.
Ontem dei por mim a pensar que o Cristiano Ronaldo era um puto bom de bola. Quando aprendia a ler a escrever olhava para alguém com 17 anos e era bem capaz de tratar por "sinhor".
Hoje imaginei-me a passar um fim de semana na terra do meu pai, perto da Guarda. Entre o frio pacífico e granítico do cenário e as personagens calorosas e simples. Quando aprendia a ser adolescente olhava para um fim de semana da terra como um martírio familiar, passado a ver televisão e a cumprimentar rotineiramente toda a família desconhecida que tenho.
Já temos passado, somos velhos. G.F.

domingo, junho 13, 2004

Eleições europeias

Vou agora votar. Tenho vergonha de saber que há gente que não o fez porque simplesmente não lhe apeteceu. Quem se demite deste dever não tem o direito de criticar qualquer governação. Shame on you Mr. Tuga. G.F.

Vivendo o Euro2004 - I

Reduzimos os gregos a ruínas? Não. Felizmente também não fiquei em ruínas. Talvez por ter percebido com os últimos anos de benfiquismo, que não se pode ganhar sempre. Que investir emoções em 90 minutos com grandes hipóteses de os lucros serem frustrações, é estúpido. Mas ainda é bom ser estúpido e fazer desta selecção alavanca do neo-esplendor luso. Somos muitos os que só nos lembramos que temos bandeira e um hino, quando o árbitro apita para mais um jogo. Os políticos de bancada, da lota e das tendas v.i.p. agradecem. E mais agradecidos ficam os publicitários que tão bem jogam com esta falsa crença que somos um país de pouca auto-estima.

Como disse, não reduzimos arrogantemente os gregos a ruínas. Fomos fracos. Mas a força do Euro2004 é feita da união da Europa à volta do desporto rei. O Euro não é a selecção portuguesa. É ter a oportunidade de, em plena noite de Santo António, gritar Tomo Sokota com um grupo de croatas, ter o privilégio de admirar os seios generosos das gregas, ensinar uns ingleses “o glorioso S.L.B.” em troca de cervejas, ouvir uns suecos gritar «Portugal allez», dar os parabéns a uma colega de Erasmus espanhola e ela ter respondido que trocava a vitória da Espanha por uma de Portugal.

A oportunidade de ter a Europa aqui em casa isso sim é motivo de orgulho. Não uma bandeira que em Agosto já estará arrumada.

Ontem vimos a bola, marchámos, recebemos visitantes, comemos sardinhas e dançámos música popular. Fomos, como no resto dos dias, tipicamente portugueses. Bons, ao contrário de quem nos organiza. Penso que o problema reside um pouco numa frase da peça de teatro que fui ver sexta-feira: «Lá fora existe um génio para cada mil medíocres. Aqui temos mais de mil medíocres que pensam que são génios». Os que nem são medíocres nem génios façam a festa pura. As ruas e este sol abençoado são nossos. E este campeonato já está ganho. G.F.

sábado, junho 12, 2004

2 avisos

Chama-se a atenção dos amigos que aqui vão ficando para dois factos. Um, o de imperativamente terem de ir conhecer o »Bicho da Escrita», o blog muito bom da Ana. O outro: que esta espelunca mudou de caixa de correio. Agora é basbaque@portugalmail.pt . Simples para vocês, fácil para mim de aceder ao servidor. Muito obrigado, boas leituras.G.F.

quinta-feira, junho 10, 2004

gostava

Ouvi ainda agora alguém dizer que se vivesse até aos 80 anos continuando a perder o tempo que demora a vestir-se e a aperaltar-se no final teria estado 3 anos inteiros a faze-lo. Eu gostava de ter alguém que ganhasse pelo menos 5 anos a despir-se só para mim. G.F.

terça-feira, junho 08, 2004

Povoamento

Monte Abraão: um povoamento de nome bíblico com duas estações de comboio da Linha de Sintra; uma companhia de Teatro, a Teatrosfera,uma equipa com atletas de renome europeu, a Juventude Operária do Monte Abraão; o Agrupamento 900 de Escuteiros que se destaca em todo o Núcleo Serra da Lua e a nível do C.N.E., um dólmen milenar atrás do meu prédio, prova da ancestral habitação deste, outrora, lugarejo.

Não é isto nem a vista que eu tenho da minha sala para o Mar e para o Cabo Espichel que me faz ter um imenso orgulho de viver há 22 anos aqui. É viver na mesma terra onde viveu um Poeta que deu nome à Escola Preparatória onde aprendi a crescer durante 5 anos. È saber que por aqui passou um Homem que escreveu, entre muitos outros, um dos mais belos poemas de amor que conheço. Hoje cito Ruy Belo porque amo este Monte.G.F.

Povoamento

No teu amor por mim há uma rua que começa
Nem árvores nem casas existiam
antes que tu tivesses palavras
e todo eu fosse um coração para elas
Invento-te e o céu azula-se sobre esta
triste condição de ter de receber
dos choupos onde cantam
os impossíveis pássaros
a nova primavera
Tocam sinos e levantam voo
todos os cuidados
Ó meu amor nem minha mãe
tinha assim um regaço
como este dia tem
E eu chego e sento-me ao lado
da primavera


Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
Editorial Presença
1996
5ª edição

às vezes

A diferença entre a quantidade de palavras que se apagam antes de serem publicadas e as que se desvanecem em redemoinhos dançando pelos labirintos das noites sem sono é incrivelmente significativa.

Às vezes escreve-se por tudo, outras escreve-se por nada.

Às vezes temos tudo para contar. Outras vezes as nossas pequenas estórias resumem-se à nossa embrionária e desinteressante história.

Às vezes urge escrever, acalmar a tesão neuronal, explodir em bebedeiras de fábulas, de contos, de discrições calorosas dos santuários momentos que nos tenham tocado. Outras em que não nos toca nada e tudo é gélido, imaculado, desapaixonado e desapaixonante.

Às vezes a pele toca-nos na alma outras vezes somos apenas restos de boas lembranças e moderadas esperanças.

Às vezes descobrimos a vida nas águas revoltas dos nossos dias tão sempre diferentes. Outras em que descobrimos estagnação nos pântanos do nossos dias tão sempre iguais.

Às vezes em equilíbrio, outras procurando-o, vamos tentando perceber. Em todas as vezes, antes de concluirmos, adormecemos. G.F.
Uma pequena ajuda para a Química dos pré caloiros. G.F.


vai

Já se saltou, gritou, sambou, moxou, dançou, tripou, curtiu, cantou, delirou, rockou. Agora, vêm ai grandes arraiais. Vai-se jogar à bola. Vai-se gritar golo. Vão-se abraçar estranhos. Vão-se erguer cachecóis e bandeiras, ser português. Vamo-nos cruzar nas esquinas da noite alfacinha com a Europa. Vai-se cheirar a sardinha. Vai-se marchar. Vai-se sorrir. Vai-se beber. Vai-se beber muito. Vai-se amar. Vai-se amar muito. E depois, o que é que se vai fazer? G.F.

quarta-feira, junho 02, 2004

São bisnagas?



entre tantos

Nos entre tantos de Maio: finalmente a carta de condução, festas de anos, trabalhos para a faculdade sobre psicologia positiva, e o espectacular trabalho nos palcos do Rock In Rio. Assuntos a merecer ou não, algumas considerações. Felicidades pessoais meramente.

Tudo o que eu queria dizer de bonito e importante lembrei-me nestas noites e esqueci-me segundos antes de adormecer. Fiquei com a leve sensação que eram mesmo coisas geniais, daquelas capazes de fundar novos movimentos ideológicos. Infelizmente os lençois costumam vencer as lutas contra a propagação de novos ismos. Resta-me acordar com a certeza quase absoluta que poderia ser mesmo alguém neste Mundo. Ou se quisesse ou se dormisse menos ou se não existissem por aí umas centenas de tipos bem melhores que eu.

Peço desde já a desculpa à Mulher ( à com quem eu vou adormecer nos últimos dias da minha longa vida depois de saber de cor todas os seus medos e desejos, todas as belas rugas do seu rosto), por nunca lhe poder proporcionar a oportunidade de dedicar um discurso numa cerimónia qualquer de conceituados palanques. De qualquer maneira, a vida daqueles que nunca aparecem não é má de todo, embora cheguemos a metade dos 20 ainda com a escondida ilusão que seremos popstars ou presidentes da república. (ou ambos). G.F.
Já era altura de eu começar a sentir estas músicas mais bonitas do que elas me soam. Como não se escolhe ter "novamente 17", continuarei com os meus 22. Quem está como eu oiça outras coisas, aos apaixonados:


The Closest Thing To Crazy


How can I think I'm standing strong?
Yet feel the air beneath my feet.
How can happiness feel so wrong?
How can misery feel so sweet?

How can you let me watch you sleep?
Then break my dreams the way you do.
How can I have got in so deep?
Why did i fall in love with you?

[Chorus]
This is the closest thing to crazy
I have ever been.
Feeling twenty-two, acting seventeen.
This is the nearest thing to crazy
I have ever known.
But I was never crazy on my own.
And now I know
That there's a link between the two,
Being close to craziness, and being close to you

How can you let me fall apart?
Then break my fall with lovin lies.
It's so easy to break a heart,
It's so easy to close your eyes.

How can you treat me like a child?
Yet like a child I yearn for you.
How can anyone feel so wild?
How ca anyone feel so blue?

[Chorus]
This is the closest thing to crazy
I have ever been.
Feeling twenty-two, acting seventeen.
This is the nearest thing to crazy
I have ever known.
I was never crazy on my own.
And now I know
That there's a link between the two,
Being close to craziness, and being close to you

And being close to you

And being close to you

Katie Melua, Call off the search, 2003

terça-feira, junho 01, 2004

1 de Junho de 1982

Falo e escrevo muito sobre crianças. Tenho a sorte de poder trabalhar com elas todos os fins-de-semana. Tenho a sorte de ter tido sempre uma catrefada de primos mais novos que eu que pegava ao colo, contava piadas e jogava à bola ou ajudava a montar lego e playmobil. Tenho a sorte de ter um tio 10 anos mais velho e que sempre brincou comigo proporcionando alguns dos melhores momentos da minha infância na casa da minha avó de Fátima (que já cada vez menos tenho tempo de ir revisitar).

A infância e as minhas brincadeiras não se escondem nos quintais, nas ladeiras, nos recreios, nos sótãos onde me evadia sem noções de lugares e tempos. A infância nasce-me ainda todos os dias, pintando a lápis de cera os pequenos momentos em que posso dizer que sou feliz. Feliz não, livre. Porque para mim a verdadeira Liberdade era e será e estará no acto puro de brincar. Ao faz de conta, aos jogos de bola sem vencedores, aos dedos feitos pistolas ou pistolas transformadas em dedos, às balas feitas de perdigotos, às pistas desenhadas por pés arrastados na areia, ao braço do sofá da sala que era o meu cavalo preferido, aos “desenhos zanimados” do brinca brincando, às tentativas de recordes mundiais de maiores filas de carrinhos pela casa toda, ao cabelo sempre suado e despenteado, camisas e fatos de treino de fecho desfraldados e ténis de velcro, à apanhada e às escondidas.

Nesse passado que se vai afastando ao sereno ritmo das memórias, reencontro-me criança e não é a nostalgia que descubro. Descubro as raízes de ser ainda assim, de ter a bênção de poder divertir-me como nunca, quando brinco com as crianças. De sorrir quando elas me dizem “ei amigo, vamos por ali que os ladrões já fugiram” ou quando descubro que se pode ver Sonho e Maravilha nos olhos pequeninos que brilham ao ouvir-me inventar que tenho dinossauros anões vivos no meu quarto e usam t-shirts brancas e galochas e cantam músicas dos morangos com açúcar.

Redescubro que a Terra do Nunca ainda pode ser habitável, e que embora as ampulhetas biológicas não parem, lá posso voltar, gritar dá cá mais cinco e receber os pequenos dedos que um dia, adultos, guiarão os nossos lemes. Terra de Liberdade perdida em locais ermos das nossas almas já quase completamente sentenciadas culpadas pelos nossos corpos, pelos vícios, frustrações ou luzes ao fundo dos túneis fundidas. Intervalo de tempo onde a magia realmente existe. Além de ser real é transparente, serena, directa, às vezes cruel, sempre leal. Nessa lealdade de palmo e meio que é o betão de pontes onde não são feitas cobranças.

È sem essas cobranças que vou encontrando os amigos, uns de 4 anos outros de 20. È nessas pontes que atravesso de lá para cá e de mim para eles que descubro a humanidade, a frescura de se ser ainda humano neste mundo que apelida sarcasticamente de ingénuos os que querem a paz, o acabar das armas. Os que comemoram hoje o Dia Mundial da Criança, dia 1 de Junho, o dia do meu aniversário, os putos, desarmam categoricamente os Grandes com os seus jogos, as suas corridas, os seus brinquedos. Porque ainda não têm medo do cliché, porque não sabem nem precisam de saber a maioria das palavras difíceis, porque ás vezes está-se bem melhor é a comer a partir da parte de baixo um corneto de morango ou a tirar macacos do nariz sem ninguém ver.

Em 1982 neste mesmo dia, a minha mãe e o meu pai olhavam para mim e eu dormia, tinha algumas horas de vida. È impossível descrever a hipnose das chamas de uma fogueira, tornar linguagem a água que brota de uma nascente. Ver uma criança, um bebé a dormir é uma experiência desarmante em qualquer situação mesmo marcial. Aproximação do divino, dúvida do ateísmo. Embasbacamo-nos. Olhamos directa e serenamente para o rosto de um futuro ainda adormecido.Contemplamos a esperança.
Obrigado pai e mãe pela oportunidade de ter chegado aqui tão feliz. G.F.