Sem palavras para escrever, sem vontades para estudar. Não atinjo aquele ponto em que ainda não sinto necessidade de estudar, uma espécie de ponto de embraiagem em que o pedal da esquerda é o começar concentrado e o da direita a pressão de véspera. Ora me perco nos afazeres inúteis inimagináveis ora me encontro a olhar para parágrafos repetidos de desmotivação. Amanhã é mais um domingo em que se tentará a glória. Era bonito ganhar. Era bonito ganharmos.
Era também bonito que eu me agarrasse às já muito pouco quentes fotocópias e não confiasse mais uma vez na extrema sorte que tenho tido ao longo destes anos. Não acredito que precise mesmo de uma derrota para perceber que é preciso lutar para ter glória. Luta-se de alma aberta, acredita-se no triunfo quando definimos o que ele é. Eu ainda não descobri o que significa na minha vida futura o triunfo. Como podemos embarcar numa demanda por algo tão indefinido concreta e abstractamente?
De qualquer maneira, seja qual for o fim, a busca tem de ser feita a dois. Uma viagem sem ter um relato, sem alguém que nos ouça e se delicie com as nossas estórias, a nossa felicidade, é uma viagem híbrida. Sinto que chegar ao final do dia feliz sem ter ninguém para o dizer é chegar ao principio da noite triste. Os futuros pintam-se a dois. A duas cores, como aquelas alturas em criança, quando pegávamos com a mesma mão em dois lápis de cores diferentes e riscávamos duas linhas eternamente paralelas, rodopiando ao sabor do papel, sem arriscar finais.
Pois eu que agora aqui me sento, sei que tenho que ir estudar. Mas mesmo que estude, mesmo que passe, mesmo que tenha 18, não acrescento nenhum lugar ao meu itinerário. Não adiciono barreiras transpostas na minha caminhada. Quando se deriva, regressa-se sempre e ao mesmo tempo não se regressa nunca. Ainda vou a tempo de, neste momento, ser tudo. Mas ás vezes é preciso ser-se tudo para alguém, para não se ser ninguém.
...
Paro. Releio o que escrevi e não sei se fará algum sentido. Aliás já nem sei do que queria falar hoje. Talvez de mulheres, como faço em quase todos os textos. Paro novamente, oiço um novo álbum, Bebo Valdez e Dieguito El Cigala. De Espanha chega-me este lindo vento e um fantástico casamento entre saxofones, piano, violino e o gitano Flamenco. Apaixono-me pelo que oiço. Tento recomeçar a escrever e redescubro que a escrita é um vício como todos os outros que servem para nos apaziguar a mente quando «temos um dever e não o queremos fazer». Um vício perigoso em que a viagem que fazemos não nos impulsiona para o universo social imenso, lá fora. Faz-nos sim mergulhar dentro de nós. E tal como acontece com qualquer outro vício vou tentar agora extingui-lo, não sem antes interiorizar que é algo benéfico, que me dá prazer. Como qualquer outro vício.
Cinjo o meu prazer ao que agora oiço, à canção número 10 “Eu sei que vou te amar”, cantada com sotaque espanhol. Por momentos sou luso-espanhol. Por momentos fico em dúvida se não ficarei triste se a Espanha perder amanhã.
Não vou ficar. Caetano Veloso surge a meio da canção. Apenas falando. Poesia. Na nossa Língua Portuguesa. E tudo faz sentido:
«Meu coração não se cansa de ter esperança de um dia ser tudo o
que quer. Meu coração de criança não és só a lembrança de um
vulto feliz de mulher que passou por meu sonho sem dizer adeus e
fez dos olhos meus um chorar mais sem fim. Meu coração vagabundo
quer guardar o mundo em mim.»
Doce e tocante.
Portugal amanhã vai ganhar, fui eu e seremos nós que continuaremos a descobrir e a guardar este mundo. G.F.
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