sexta-feira, junho 25, 2004

Vivendo o Euro2004 III - Cumpriu-se Portugal.

Se tanto me ajudar o engenho e arte que eu consiga chegar ao fim deste relato hoje. Escrevo ainda com lágrimas por enxugar depois de uma noite realmente “fantomatica” como diria um amigo meu italiano que não teve a mesma sorte ou Caravagio que nós. Uma noite que pareceu não ter acontecido. Fantástica, sublime, maravilhosa, inesquecível. Uma noite de paixão patriótica e de união nacional. Uma noite que da lei da morte se libertará. Histórica, de vitória. De sofrimento. Apaixonante. Qualquer um de nós já grisalho se lembrará onde estava naquela noite em que sem luvas Ricardo nos ofereceu a esperança e com os pés nos devolveu a glória. Enalteçamos agora o querer português e a confiança humilde com que partimos para esta batalha que se revelou dramática, sufocante, taquicardíaca.

Ontem fomos um por todos e todos contra a Inglaterra. Nesta pátria biológica ou adoptada, paquistaneses, alentejanos, ucranianos, minhotos, chineses, trasmontanos, angolanos, tripeiros, timorenses, beirões, brasileiros, ribatejanos, cabo-verdianos, alfacinhas, moçambicanos, algarvios, guineenses, ciganos, são-tomenses, checos, croatas, letões, búlgaros, gregos, holandeses, suíços, espanhóis, italianos, franceses, dinamarqueses, suecos, alemães, russos, todos gritámos no fim: Portugal, Portugal. E ao mesmo tempo que nas “Downing Streets” desse mundo se reiniciavam as discussões acerca de invasões estratégicas e aquartelamentos, minutos depois de rebentar a maior alegria colectiva a que já provavelmente assistimos, um inglês agarrava na minha bandeira, colocava-a aos ombros e a chorar gritava “Por tcho gal”. Pouco depois dizia-me abraçado a mim que nunca tinha aqui estado e que amava este país. E o amor que se espalhou pelos bares, pelas estradas, por todos esses trilhos resplandecentes de portugalidade, pelas ruas e janelas lusas das gentes de todas as idades, gentes da minha e da nossa terra, a gritar, a chorar, a cantar, a saltar, com uma alegria pura, fizeram da noite de ontem uma noite de liberdade. Sem frustrações, sem complexos de inferioridade, cientes das nossas capacidades, como um só Povo. Um pais que se vai esquecendo que é lindo, que é feito de gente de sorrisos fascinantes.

Ontem, acabei a noite como tantos outros. Sentei-me em cima do tejadilho de um “Fiat Tipo” frenético pela marginal, erguendo ao vento a bandeira, tendo à esquerda o Tejo, à direita Alfama, ao fundo o Mar e o Cristo Rei. Entre gentes de todos os catálogos, simples e refinados portugueses. Ora gritando pelo meu país, ora saboreando a brisa fria mas tão quente que me deixava os olhos cada vez mais em lágrimas. Ontem senti que podíamos ser mesmo nobres. Ontem senti-me valente. Ontem senti a voz mátria sussurrar-me ao ouvido. Ontem fui eu que defendi aquele penalty. Ontem fomos nós que o marcámos. Ontem fomos Heróis. Ontem cumpriu-se Portugal. G.F.




Quando
tu me vires no futebol
estarei no campo
cabeça ao sol
a avançar pé ante pé
para uma bola que está
à espera dum pontapé
à espera dum penalty
que eu vou transformar para ti
eu vou
atirar para ganhar
vou rematar
e o golo que eu fizer
ficará sempre na rede
a libertar-nos da sede
não me olhes só da bancada lateral
desce-me essa escada e vem deitar-te na grama
vem falar comigo como gente que se ama
e até não se poder mais
vamos jogar
S.Godinho

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