sábado, agosto 04, 2007

wake up


Acordem.

Acordem, atem-nos os atacadores e façam-nos cair. Bombardeiem-nos com balões de água em largas doses de pneumonia. Façam-nos tropeçar e alegremente riam-se de nós. Soltem esbaforidas gargalhadas cruéis e apontem-nos os dedos.

Acordem e atirem-se à lama. Antes do deleito nos charcos, certifiquem-se que esbanjam o detergente fora para nós ficarmos mesmo lixados. Aproveitem e peguem em jornais antigos, roubem-lhes o conteúdo e troquem-no pelo recheio do jornal de hoje. Deixem só a primeira página. È que às tantas nem nos vamos aperceber que está tudo igual.

Acordem, chorem e gritem. Esperneiem e rebolem pelo chão. Queiram ter tudo e queiram sonhar com tudo. Exijam tudo.

Acordem e corram até perto dos precipícios só para nos pregar cagaços. Peguem nos lápis de cera e destruam tudo o que for branco. Tudo o que é branco exige riscos de amor. Risquem tudo e apaixonem-se pela tinta. Ou odeiem os baldes de tinta, ponham fulminantes e bombinhas lá dentro. Pulem e gritem no caos que acabaram de produzir.

Acordem e vão roubar as maçãs. Não as comam, atirem-nas, principalmente à cara dos vizinhos que vos costumam furar as bolas de futebol. Aproveitem e invadam os nossos teatros que vocês não conseguem perceber e belicamente dizimem os encenadores com maçãs e tomates. Quanto mais podres melhor. Quanto mais sujos e mais acordados melhor. Invadam as nossas lojas de gomas. Pilhem todas as gomas em gigantescos carrinhos de mão. Comam todas as gomas. Distribuam gomas por todos nós, deixem aquelas que sabem a cocó para os vizinhos que costumam furar as bolas de futebol. Enfardem-se de gomas até se engasgarem. Até vomitar. Depois ponham o vomitado no microscópio e maravilhem-se com a beleza do universo. De caminho abram os nossos microondas. Todos os insectos que conseguirem apanhar em 2 horas despejem-nos ai dentro. Programem para meia hora e assistam ao holocausto em directo.

Acordem e rejubilem-se por poderem fazer tudo o que quiserem. Dispam as desculpas. Vão todos nus para a praia e provem a areia até que sejam conduzidos por nós ao hospital velozmente na melhor ambulância de sempre. No hospital aproveitem tudo o que for de borla e recebam presentes. Tentem ir várias vezes parar ao hospital para que nós vos demos presentes. O natal e o aniversário não chegam porque vocês já terminaram todos os níveis e todas as colecções.

Acordem e precisem de mais coisas simples. Cantem bué até à afonia. Cantem porque afinal vossos corpos nunca vão envelhecer e as vossas rugas serão apenas preocupações para os que ainda no meio de nós estiverem a dormir. Lembrem-se que pelo menos nos espelhos vocês vão ter sempre ranho no nariz. Isso, nunca se assoem, façam competições de quem é mais ranhoso.

Acordem e façam com que todas as raparigas e rapazes se odeiem. Ódios viscerais que antes do primeiro beijo se tornarão em amores eternos. Não tenham medo de odiar. Peguem nas nossas bicicletas e pedalem revoltando-se. Se não souberem andar não faz mal, ponham rodinhas. Venham todos despenteados e fujam daí, fujam de nós, sem capacetes, sem joalheiras. Ninguém passará do chão e depois vai ser fixe rebentar as crostas só para sentir mais um bocadinho a dor.

Acordem, peguem e toda a roupa que tiverem e enviem para os que têm frio. Depois façam xixi nas gavetas vazias: é a única forma de perceber Física.

Acordem e brinquem com a pilinha e com o pipi. Com o vosso e com o dos outros. Brinquem enquanto não for preciso procurar respostas.

Acordem e procurem todos nós gordos e estigmatizados que encontrarem e chamem-nos de Badochas. Cus de Bomba, Monte de Banhas, Zarolhos, Coxos, Caixas de Óculos, Barrotes Queimados, Gigantones, JoõesCagalhões. Inventem ofensas e depois quando eles vos espancarem saibam chorar com honra, façam as pazes e vão ver desenhos animados juntos.

Acordem e embasbaquem-se com a primeira vez que vos embala a magia do grande ecrã, o primeiro gelado de chocolate ou o primeiro elogio.

Acordem e abracem-nos sem medo de dizer que gostam de nós sem quaisquer condições.

Acordem e procurem o amor.

Adultos, acordem. G.F.


(a todos os que sentiram como seu, o hino dos Arcade Fire.)

hábitos

Era uma vez um Franciscano gay. Ele queria ser estilista, mas naqueles tempos era alvo de uma perseguição atroz. Não por ser gay, mas por querer ser estilista. É que Antigamente respeitava-se um dos dogmas centrais do clero: “Um hábito não faz o Monge!” Ele não podia fazer nem um nem dois, nem tão pouco um capucho. Nada :( Apenas a miséria.

Pergunto-me por vezes quem faz então os hábitos? G.F.

à terceira vez, acordámos.


Não é que à terceira vez que acordámos já era amanhã? Sim, não era hoje, era tudo amanhã.

À terceira vez que acordámos tinham-nos assaltado. Ficámos sem o agora. Tornamo-nos calados.

À terceira vez que acordámos tínhamos deixado de ser intemporais. Não havia tempo mas havia um perfume de tardíssimo. Era tão amanhã que quando fomos ao supermercado disseram-nos que já não se fazia coca-cola há algumas décadas: “deixaram de gostar”. Era tão amanhã que quando me viram de boxers e de equipamento do Nápoles número 10, me trataram por Maradona. Tentei explicar-lhes pormenores, dar-me a mim também um passado. Até lhes falei da mão de deus pá e eles perguntaram-me “quem era Deus?”

À terceira vez que acordámos era tão tarde que já nem haviam culpas nem infernos. Era madrugada, mas naquela terceira vez cheirava a final de tarde. Não tínhamos agoras e não sabíamos como iríamos sobreviver àquele assalto. E continuámos sufocados pelo constrangimento.

Tinha sido a terceira vez que acordávamos e tinham-nos roubado o dia de hoje, os cabrões. Tinham-nos despido e tapado a boca. À terceira vez que acordámos já não havia nada a fazer. Tinham-nos profanado os peitos e asfaltado os corações. Por eles passavam a alta velocidade carros de corrida. À terceira vez que acordámos ainda conseguimos ver pelos seus retrovisores, sorrisos cínicos de quem tudo sabe sobre o entardecer.

À terceira vez que acordámos pegámos no que restava dos nossos lençóis. Era tarde demais já e por isso não apagámos a sombra das duas pessoas que neles estava bordada. Em vez de tentarmos adormecer pela quarta-vez despedimos-nos. Tu foste procurar outras sombras. Eu fui à loja de penhores perto da estação de comboios, deixei os lençóis em cima do balcão e vim para casa com algumas sementes de Presente. G.F.

conquista budista

Nunca me vangloriei com nenhuma das minhas conquistas (estou a reservar todas as estórias para os meus netos). Nunca o disse aos 7 ventos especialmente porque talvez nenhuma tivesse sido conquista, fui eu a parte achada e conquistada. Mas tenho a certeza que se um dia conhecer alguma seguidora de Dalai Lama, bonita (e com cabelo) e suas faces se ruborizarem na minha presença, gaguejando ao falarmos, eu vou dizer orgulhoso aos meus netos: “Eu até uma vez deixei uma budista nervosa”. G.F.

o porco Ateu


Era uma vez um porco que não conhecia Deus nem a Morte. Um dia a sua avó, também porca, morreu. O porco ficou muito triste e não compreendeu a ausência eterna da sua avó. “Onde estaria agora?”. Alguns dias procurando “porquês”, o triste suíno foi ter com um mocho rabino. Este disse-lhe através de apaziguadoras palavras que a porca avô do porco se encontrava no céu, “bastava olhar para lá e rezar”. O porco, sem dizer nada ao mocho, foi-se embora chorando.

È que o mocho não sabia que, anatomicamente, os porcos não conseguem olhar para o céu. G.F.

fragmentos para algum qualquer filme português a roçar o intelectualoide



Há tempos ela perguntou-lhe se ele fosse ditador por uma tarde, qual era a sua primeira tirania. Ele respondeu-lhe que “estabeleceria um padrão estético baseado na beleza dela. Todas as mulheres do novo império teriam de ser iguais a si ou seriam enviadas para outros impérios”.

“Mas assim acabava por perder o meu encanto já que não me podias comparar com ninguém, além disso com a falta de mulheres todos os homens do império iriam lutar para ter uma parecida comigo e ainda mais gananciosos se tornariam por me ter. As outras mulheres ficaram deprimidas por nunca conseguírem atingir o meu padrão e tornar-se-iam más amantes. Os homens que não tivessem o mesmo gosto que tu, viveriam infelizes e seriam maus amantes. Basicamente acabariam todos por nos assassinar para serem mais felizes. Isso talvez fosse a pior medida de sempre tomada por um ditador de um dia!”

“Eu estava só a tentar dizer-te algo bonito”
“Ah ok, então o que farias na realidade?”

“Quero lá saber da realidade, só estava a dizer-te que as mulheres do mundo deviam ser todas como tu.”

“Mas se fossem, nós morreríamos!”
“E se morrêssemos? Somos felizes, morreríamos felizes. Além disso daríamos motivos para revolução e felicidade dos outros.”

“Um tirano nunca pensaria assim…”

“Um tirano nunca seria tirano só por um dia…” G.F.

sábado, abril 14, 2007

o meu word é poeta.

O meu Word não gosta que as minha viagens sejam catárticas. Prefere apelidá-las de catraias sem eu me ter apercebido do erro antes da publicação do post anterior. Gosto de Viagens Catraias. Viagens pequenas, como ir daqui até à cama. Ou viagens de putos, como ir daqui até Plutão. G.F.

Minuto Capicua


As duas melhores viagens catraias de carro que se podem fazer em Portugal são ir e vir do Sudoeste Algarvio. Bastam estas duas viagens para podermos dizer que tivemos Férias. Foi na segunda dessas que eu, com a ajuda da Ana Elisa, inventámos um conceito que vai revolucionar o mundo: o Minuto Capicua. Espero humildemente que ninguém até hoje tenha pensado nisso. Sinto o perfume da revolução. Ou isso ou apenas uma bonita «parvoíce» parafraseando com tristeza os Gatos que aos poucos se vão apoderando de todas as patentes vocabulares castiças povo-portuguesas. Mas é por estas parvoíces que ainda vale a pena estar vivo. E ter férias.

O Minuto Capicua existe apenas 16 vezes por dia. Isto calculei enquanto esperava um autocarro entre Torres Vedras e Lisboa. Como tal autocarro demorou menos tempo que o previsto, pode ser que existam mais Minutos Capicuas. Se sim, alguém me corrija. Como dizia, o Minuto Capicua existe 16 vezes por dia. São 16 oportunidades raras de pescar o tempo. Eu nunca gostei muito da lamechice do “seize the day” ou do “carpe diem” dedicatorial dos finais dos Sextos, Nonos e Décimos Segundo anos. Contudo, há que parar muitas vezes para pensar. Ou há que parar, talvez baste. Todos os que me lêem deviam portanto fazer uma cópia do seguinte texto e faze-lo passar a todos os seus contactos de msn, hi5, myspace, orkout, páginas amarelas. Juntos, unidos pelo Minuto Capicua, faremos um mundo melhor:

Tu és quase feliz? Estás quase deprimido? Então vem e junta-te a uma comunidade com milhares de seguidores em todo o mundo. Junta-te a nós e celebra o Minuto Capicua. Decora bem: 0h00, 01h10, 02h20, 03h30, 04h40, 05h50, 10h01, 11h11, 12h21, 13h31, 14h41, 15h51, 20h02, 21h12, 22h22, 23h32.
Durante 60 segundos, e se quiseres até 16 vezes por dia, o Minuto Capicua dá-te paz. Dá-te liberdade. O Minuto Capicua dá-te tudo aquilo que nunca nenhum outro banal minuto te deu. Sim, se não sabias então torna-te desde já um conhecedor: existem comuns e vulgares minutos condenados à irascível insignificância de serem constituídos por segundos que em si nada reflectem uma existência plena. Mas eis que, desse marasmo temporal… Surgem os…. Minutos Capicuas! O Minuto Capicua é algo mágico. O Minuto Capicua restabelece as tuas energias, confere-te defesas para um dia a dia agitado. O Minuto Capicua é fixe, o resto dos minutos que se lixe. Glorioso Minuto Capicua Glorioso Minuto Capicua. Com o Minuto Capicua o bem-estar já não recua. Minuto Capicua, SEMPRE!
Não estás convencido? Não precisas. O Minuto Capicua convencer-te-á. Já pensaste no que é ter 16 vezes por dia uma oportunidade de fuga? Larga todas as drogas. Usa esses 60 segundos do Minuto Capicua para o que quiseres. Desde que te lembres que estás a viver mais um Minuto Capicua. Assim que vires que está prestes a chegar um Minuto Capicua: inventa, grita se quiseres gritar, esconde-te, congela, congela os outros, diz chispas, diz sabão, canta liricamente Minuto Capicuuuuuuuuuua. Dança um Hula, dança a dança da cobra está fumando, dança a dança da chuva. Diz Minuto Capicua em todas as línguas que te lembrares e não vale ir ao Google ver como se diz Capicua em Sueco. Finge de Morto, rebola. Faz cartazes a dizer “Estou a viver um Minuto Capicua, não me incomode”. Telefona aos teus amigos e diz “hey hey hey, estamos a viver um Minuto Capicua, não me digas que não o estás a festejar?” Faz concursos a ver quem se lembra mais vezes que se está a viver um Minuto Capicua. Faz um minuto de silêncio capicua por todos os Minutos Capicuas que não conseguiste contar. Repete com os teus colegas do escritório “Minuto Capicua”. Sublinha nos teus Relatórios todos os minutos Capicuas que encontrares. Abraça um estranho e diz-lhe Minuuuuuuuuuto Capicua. Vai até ao pé daquela gaja que gostas e com confiança sussurra-lhe: queres viver um Minuto Capicua comigo?
DECORA BEM: 0h00, 01h10, 02h20, 03h30, 04h40, 05h50, 10h01, 11h11, 12h21, 13h31, 14h41, 15h51, 20h02, 21h12, 22h22, 23h32….


JÁ DECORASTE? Então assim que acabares de ler este “post”, estás convidado a passar esta mensagem a todos. Força, Juntos conseguiremos festejar todos os Minutos Capicuas. Juntos vamos ficar contentes. Ridículos mas Felizes.
Tens mais ideias para festejar estes Minutos Capicuas, então reenvia-me para basbaque@portugalmail.pt, juntos poderemos tornar isto oficial. Amanhã não seremos só Portugueses a viver juntos o Minuto Capicua. Traduz este mail para inglês. Sim, também Ingleses, Escoceses, Galeses, Norte-Irlandeses, Irlandeses, Islandeses e aqueles habitantes esquisitos das Ilhas Faroé e da Ilha do Alberto João poderão festejar connosco, ao mesmíssimo tempo, este tão transcendente momento! Minuto Capicua Minuto Capicua Minuto Capicua Minuto Capicua Minuto Capicua. G.F.



P.S. Às 20 horas e 02 minutos do dia 20 de Fevereiro do ano 2002, 202 pessoas em Streymoy, Ilhas Faroé, testemunharam o Minuto Capicua mais bonito de sempre. Essas 202 pessoas que gritaram bem alto aos céus e aos mares, em português com sotaque dinamarquês: «A droga do dote é todo da gorda» nunca mais foram vistas. Diz-se que estão… “Perdidos”.
Este e outros mitos, gostava que fossem passados, se possível de geração em geração. Um dia gostava de ir a Tóquio e ouvir alguém falar-me desta história e de todo o Movimento Minuto Capicua. Já poderia adormecer com um sorriso nos lábios por volta da 1h e 10 minutos.

quinta-feira, abril 12, 2007

Atenção.

«Camarão que dorme vira cocktail» ouvi algures, não me lembro quando. Mas acorda.

Posse Conjugada



Agora vou esquecer o que sou. Quero saber o que tenho:


Tenho as mãos pequenas quando escrevo e quando não escrevo.
Tenho documentos que me provam que tenho altura,
que tenho pátria,
que ainda não tenho mulher
e que vou tendo quem me quis perto de mim.
Tenho vontade de aprender a tocar contra-baixo e depois ter de me esquecer de todos os acordes.
Tenho fome.
Tenho poucas vezes sede.
Tenho macacos no nariz.
Tenho ali coisas que me emprestaram e eu não sei de quem são.
Também tenho a ideia de que não quero morrer já.
Tenho o desejo de um dia ser velho e poder fingir que sou surdo para poder chatear toda a gente.
Tenho o gosto em fugir.

Tive de tomar decisões.
Tive de me despedir.
Tive de cantar para muita gente.
Tive de usar ténis de velcro.
Tive 5 , tive 6, tive 12, tive 16.
Também já tive 20 anos.
Tive crostas nos joelhos que rebentava para ver como era o sangue.
Tive-te a ti e nunca mais tive de te ter.
Tive febres.
Tive ressacas.
Tive muitas vezes de jogar à macaca com a solidão.
Tive de correr.
Tive de vir.

Tinha que só dormir.
Tinha que lavar.
Tinha uma camisola do Benfica com o patrocínio da Shell.
Tinha avôs.
Tinha que decorar a tabuada.
Tinha bichos-da-seda numa caixa de Le Cock Sportif.
Tinha todas as raparigas a gostar de mim.
Tinham amor por mim e mas eu tinha de continuar ali a brincar.

Fui tendo colecções.
Fui tendo paixões.
Fui tendo ilusões.
Fui tendo canções.
Fui tendo que fazer rimar obsessões.

Vou tendo caspa.
Vou tendo pé de pouco atleta.
Vou tendo apontamentos por ler.
Vou tendo relatórios por melhorar.
Vou tendo passe social.
Vou tendo perspectivas de novas memórias.
Vou tendo motivação para reaparecer.

Terei um carro que me leve a Bagdad em paz?
Terei amanhã alguém a dizer-me ao ouvido: “Avô, e quando foste vocalista de uma banda de rock em Itália?!”
Terei que usar óculos?
Terei de morrer demente?
Terei sempre estes dentes?
Terei aproveitado bem a última noite antes do genérico?

Tivesses sido tu.
Tivesse eu comprado um outro bilhete.

Teria hoje muito menos se não vos tivesse tido.
Teria que ouvir mais vezes a minha mãe.
Terias que viajar comigo mais além,
Teria Plutão sobrevivido.

Tivera eu não ter tido de ter perguntado “porquê?”
Tenho de me perguntar sempre porquê.

Tenho MP3. Tenho um Motorola, Tenho Zara. Tenho Pull and Bear. Tenho All Star. Tenho Timberland. Tenho H&M. Tenho DKNY. Tenho Boss. Tenho o cabelo despenteado. Tenho barba por fazer. Tenho olhos verdes salpicados de castanho. Tenho fotos em que estou bonito. Tenho raparigas que me desejam. Tenho perdigotos desfeitos no meu monitor. Tenho borbulhas, Tenho pêlos. Tenho barriga. Tenho vontade de cagar.

Tenho Carta e não conduzo. Tenho Cartão de Eleitor e voto mal. Tenho Cartão de sócio do Benfica e empato com o Beira-Mar.

Tenho uma Promessa, tenho uma Lei e tenho Princípios. Tenho cicatrizes. Tenho Palavra. Temos Movimento.

Tenho mochilas, tenho fechos e tenho gavetas. Tenho linhas e tenho contas. Tinha-te em linha de conta. Tenho Cartão de Crédito e tenho zeros. Tenho papéis. Muitos papéis. Tenho infinitos papéis. Tenho de ir ali rasgar poemas como se tivesse de rasgar mulheres. Tenho de gozar, tenho de possuir o mundo. Tenho de desfrutar. Tenho de te encontrar e tenho de te apanhar. Tenho raiva. Tenho calma. Tenho ¾ de alma.

Tenho tudo aquilo que a circunstancia ainda não me permitiu não ter.
Não tenho nada daquilo em que eu próprio não consegui permanecer.
Tenho dias em que tenho pouco pé mas tenho noites em que tenho o leme.
Tenho a sorte de poder escrever. Tenho este mar. Tenho esta terra. Tenho esta gente. Tenho companheiros. Tenho perdido e tenho vencido. Tenho que viver.


Tenho a ideia de que tenho o que tinha de ter. G.F.

quarta-feira, abril 11, 2007

conto trágico pós-moderno


Era uma vez, há não muito muito tempo, umas palavras cruzadas. Cresciam na sua verticalidade e horizontalidade vocabular. Eram felizes.

Um dia, chegou o Sudoku e morreram. G.F.

genialidade

No outro dia pensei: «será que sou mesmo um génio?». Então tive uma epifania e fiquei algo desalentado: eu nunca me vou conseguir meter dentro de uma lamparina. G.F.

Meu amor...



Num dia dos namorados já ido, algum puto desconhecido decidiu ganhar coragem e escrever esta singela declaração de amor. Como todas as estórias de amor, esta também começa bem. G.F.

nove fora e nada


Olha, queria dizer-te a ti (que me lês em nome de todos os anónimos que esperarão um dia por mim) que não fui chato. Queria dizer-te que nunca mais escrevi porque tive de ir ali fora só viver um bocadinho. Sabes, era Julho, não me apetecia estar sozinho aqui. Só que tens de compreender que Julho vestiu o Agosto com um bikini contrafeito em Xangai e eu só queria estar ali a esconder os paus e as pedras dos nossos futuros. Enterrá-los na areia antes que chegasse Setembro e eu me tornasse literalmente finalista. Já sabia que não ia gostar de acabar mais alguma coisa, nunca gostei, sempre fui adepto do Benfica e das reminiscências.

Por isso me ilumino sempre desse imenso que são os inícios. Percebes: eu não voltei cá porque apenas não tinha nada para começar. Agora sim pá. Agora tenho vontade de começar a contar-te o que eu tenho pensado enquanto estive longe. Agora estou motivado para te acordar e dizer o que me passou pela cabeça enquanto brincava com o que restava dos paus e das pedras que te escondi e andei a esconder das boas pessoas.

Sabes, eu pus a gente toda do bairro a dançar com um objecto feito de reles plástico e papel. E eu nem sei tocar nenhum instrumento! Era toda gente minha vizinha pá, e riam-se para mim. Estavam felizes os meus vizinhos anónimos. E havia também gajas giras se queres saber. Ainda não eram tão bonitas como as últimas que amei, mas pá, sorriram para mim. Quando é que foi a última vez que uma mulher ou um homem bonitos sorriram para ti? Não ficaste contente? Eu fiquei pá, fui o rei do mundo. E para comemorar reuni a minha côrte de amigos e fomos ali embargar umas obras e pôr os ucranianos a dançar, fui ali embargar uns clubes de strip e pôr umas eslovacas a cantar. Fomos roubar gravatas às lojas finas e pusemo-las em todos os animais que íamos encontrando. Ainda tive tempo para dar gelados a toda a gente. Pois é, também já quiseste ser o senhor dos gelados. Olha e havia pessoal esquisito que não gostava de chocolate. A esses, demos sadicamente sudokus sem solução…Ainda lá estes meses depois. Estão eles e está aquilo que eu te vou contar nos próximos antes de partir outra vez.

Estava-vos a contar que foi uma bela comemoração pá. Fui feliz e caí na areia alegre. Só que é sempre quando caio na areia feliz que ensimesmado choro. Talvez a areia esteja sempre à espera do sal. Talvez o sal regresse sempre quando descobre que a areia não é deserta. Mas não te preocupes que as minhas lágrimas são sempre das boas pá. São as lágrimas das partidas e das chegadas, são as lágrimas da bicicleta de Padova, são as lágrimas que se misturaram nos beijos dela, são as lágrimas que vou semeando por aqui nos próximos tempos quando te contar tudo o que eu imaginei enquanto estava ali, durante meses, a não querer crescer um bocadinho. Sim, não te preocupes que as minhas lágrimas são quase sempre das boas. Porque quando sabemos que podemos sempre voltar a viajar e a poder relatar as nossas viagens, as lágrimas são em grande parte e simplesmente: H2O tipo positivo. Sim H20 positivo. As tuas também costumam ser?

Não interessa. Este devaneio que agora tive carece de enorme cientificidade. E depois de ter ido ver a constituição química de uma lágrima no “Google” (além de isso ser per se deprimente) acho mesmo que foi um erro técnico inqualificável como me diriam no 12º ano. Mas olha, nunca pensaste em mandar à merda a Física e a Química? E também nunca pensaste em mandar à merda por alguns instantes o que tinhas a fazer para vires ler este blog? Também foi por essa tua vontade que eu voltei. Mesmo que só depois destes meses não consentidos de envelhecimento. Mesmo que só depois destes meses a embasbacar-me comigo, com os outros e com o futuro.

Hoje é dia 11 de Abril, foram 9 meses fora e nada. Aqui nada, mas lá fora, quase tudo.G.F.