Acordem.
Acordem, atem-nos os atacadores e façam-nos cair. Bombardeiem-nos com balões de água em largas doses de pneumonia. Façam-nos tropeçar e alegremente riam-se de nós. Soltem esbaforidas gargalhadas cruéis e apontem-nos os dedos.
Acordem e atirem-se à lama. Antes do deleito nos charcos, certifiquem-se que esbanjam o detergente fora para nós ficarmos mesmo lixados. Aproveitem e peguem em jornais antigos, roubem-lhes o conteúdo e troquem-no pelo recheio do jornal de hoje. Deixem só a primeira página. È que às tantas nem nos vamos aperceber que está tudo igual.
Acordem, chorem e gritem. Esperneiem e rebolem pelo chão. Queiram ter tudo e queiram sonhar com tudo. Exijam tudo.
Acordem e corram até perto dos precipícios só para nos pregar cagaços. Peguem nos lápis de cera e destruam tudo o que for branco. Tudo o que é branco exige riscos de amor. Risquem tudo e apaixonem-se pela tinta. Ou odeiem os baldes de tinta, ponham fulminantes e bombinhas lá dentro. Pulem e gritem no caos que acabaram de produzir.
Acordem e vão roubar as maçãs. Não as comam, atirem-nas, principalmente à cara dos vizinhos que vos costumam furar as bolas de futebol. Aproveitem e invadam os nossos teatros que vocês não conseguem perceber e belicamente dizimem os encenadores com maçãs e tomates. Quanto mais podres melhor. Quanto mais sujos e mais acordados melhor. Invadam as nossas lojas de gomas. Pilhem todas as gomas em gigantescos carrinhos de mão. Comam todas as gomas. Distribuam gomas por todos nós, deixem aquelas que sabem a cocó para os vizinhos que costumam furar as bolas de futebol. Enfardem-se de gomas até se engasgarem. Até vomitar. Depois ponham o vomitado no microscópio e maravilhem-se com a beleza do universo. De caminho abram os nossos microondas. Todos os insectos que conseguirem apanhar em 2 horas despejem-nos ai dentro. Programem para meia hora e assistam ao holocausto em directo.
Acordem e rejubilem-se por poderem fazer tudo o que quiserem. Dispam as desculpas. Vão todos nus para a praia e provem a areia até que sejam conduzidos por nós ao hospital velozmente na melhor ambulância de sempre. No hospital aproveitem tudo o que for de borla e recebam presentes. Tentem ir várias vezes parar ao hospital para que nós vos demos presentes. O natal e o aniversário não chegam porque vocês já terminaram todos os níveis e todas as colecções.
Acordem e precisem de mais coisas simples. Cantem bué até à afonia. Cantem porque afinal vossos corpos nunca vão envelhecer e as vossas rugas serão apenas preocupações para os que ainda no meio de nós estiverem a dormir. Lembrem-se que pelo menos nos espelhos vocês vão ter sempre ranho no nariz. Isso, nunca se assoem, façam competições de quem é mais ranhoso.
Acordem e façam com que todas as raparigas e rapazes se odeiem. Ódios viscerais que antes do primeiro beijo se tornarão em amores eternos. Não tenham medo de odiar. Peguem nas nossas bicicletas e pedalem revoltando-se. Se não souberem andar não faz mal, ponham rodinhas. Venham todos despenteados e fujam daí, fujam de nós, sem capacetes, sem joalheiras. Ninguém passará do chão e depois vai ser fixe rebentar as crostas só para sentir mais um bocadinho a dor.
Acordem, peguem e toda a roupa que tiverem e enviem para os que têm frio. Depois façam xixi nas gavetas vazias: é a única forma de perceber Física.
Acordem e brinquem com a pilinha e com o pipi. Com o vosso e com o dos outros. Brinquem enquanto não for preciso procurar respostas.
Acordem e procurem todos nós gordos e estigmatizados que encontrarem e chamem-nos de Badochas. Cus de Bomba, Monte de Banhas, Zarolhos, Coxos, Caixas de Óculos, Barrotes Queimados, Gigantones, JoõesCagalhões. Inventem ofensas e depois quando eles vos espancarem saibam chorar com honra, façam as pazes e vão ver desenhos animados juntos.
Acordem e embasbaquem-se com a primeira vez que vos embala a magia do grande ecrã, o primeiro gelado de chocolate ou o primeiro elogio.
Acordem e abracem-nos sem medo de dizer que gostam de nós sem quaisquer condições.
Acordem e procurem o amor.
Adultos, acordem. G.F.
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