quinta-feira, setembro 15, 2005

teste judaicoreblicopinto

A vida é um sonho para os sábios, um jogo para os tolos, uma comédia para os ricos, uma tragédia para os pobres.» Sholom Aleichem

terça-feira, setembro 13, 2005

lisboa irónica

«...cidade esta onde o tribunal é da Boa-Hora e o cemitério dos Prazeres...» José Cardoso Pires às páginas tantas da Balada da Praia dos Cães
Em quem voto se sou cristão ateu e esquerdista conservador?

teste judaicorebelicopinto


Depois de ler devidamente a questão, pense durante 5 a 7 segundos sobre esta e responda a uma das quatro opções apresentadas.

A vida para ti, o que é?

a- uma comédia
b- um jogo.
c- um sonho.
d- uma tragédia.

A resposta será dada amanhã. G.F.

segunda-feira, setembro 12, 2005

aos que fizeram "Erasmus":

«Meu coração é um almirante louco
Que abandonou a profissão do mar
E que a vai relembrando pouco a pouco
Em casa, a passear, a passear.» Álvaro de Campos
é incrivel a quantidade de merda que se escreve quando se tem que estudar. E as horas a que se escreve.G.F.

gato

Relembrando as discussões sobre religião, ciência e filosofia que a trindade jórdica teve, embriagada ou menos ébria em Padova, fica uma frase dita pelo Pai Jordas e cujo autor não ouvi. Ou melhor, não me lembro. (Mas dizer que fomos ontem surdos sobrepõe-se ao admitir que hoje nos esquecemos). (e para introduzir um pensamento bonito acabei de deixar aqui outro que mais tarde lerei e perceberei se tem alguma lógica psicossociológica).G.F. Bem a frase é:

«Um filósofo é um gajo dentro de um quarto escuro que procura um gato que não existe. Um teólogo é um gajo dentro desse quarto escuro e que encontra o gato que não existe.»

o país que não temos

“È o país que temos.” Assim se concluem muitas discussões sobre este pedaço de terra em que vivemos. Esse resumo triste é feito com um encolher de ombros, de esperança perdida. Criticamos Portugal e criticamos os portugueses como se todos tivéssemos de pagar com a longa demora dos juros feitos de incêndios, seca e aumento da gasolina, uma Glória que em tempo tivemos como nação. Baixamos os ombros como se já soubéssemos o final do filme e apenas permanecêssemos na sala porque pagámos o bilhete. E um bilhete caro. Só que não sabemos que os outros países também têm um país ao qual respondem, “é o que temos”. A diferença é que no estrangeiro não se encolhem os ombros, arregaçam-se as mangas. Trabalha-se porque problemas existem em todo o lado e até mais graves que aqui. O medo de descobrir a solução ou o medo de se ter de trabalhar para descobrir esse desconhecido resolver é que nos vai empurrando contra o canto.

E quando se está fora desse canto por alguns meses percebe-se melhor porque somos bons, às vezes surpreendentemente melhores, mas também medíocres, às vezes assustadoramente piores. Viver numa comunidade de jovens de quase todos os países da união europeia e ter a oportunidade de conhecer e encontrar amigos americanos, australianos, argentinos, americanos, brasileiros, israelitas e iranianos ajudou-me a perceber duas coisas: que existem diferentes personalidades geográficas mas que também existem afastamentos e comunhões universais, humanas. Hoje escrevo sobre a primeira e sobre o povo que temos e que descobri fora da sua pátria territorial.

Naquele tubo de ensaio inter e intra cultural que é o “Erasmus”, a nossa cultura resultava quase sempre dominante. Pelo menos, posso afirmar (com todas as excepções que uma generalização sempre trás e sabendo que só generalizando se pode ser verdadeiramente polémico no que toca a diferenças de grupos) que: na organização de actividades, na criatividade com que se preparavam, na literacia, no grau de conhecimento sobre os outros e das suas línguas maternas, no sentido de humor sarcástico, na capacidade de organizar o muito estudo em poucas horas, no tão típico super poder do desenrascar em situações inesperadas, no cantar animadamente não só coisas suas mas também dos outros países, no unir das várias nacionalidades, os portugueses eram quem se distinguia. Não o digo com orgulho, escrevo-o até com auto-estima nacional mais diminuta. Porque percebi que temos qualidades que os outros não têm mas não nos fazemos usar delas para termos um país um pouco melhor a nível sócio— económico e cultural.
No estrangeiro percebi o carácter expansivo da cultura portuguesa, da missão inconsciente que temos em estreitar laços entre os continentes e entre os homens por estarmos para aqui remetidos. Somos filhos de uma nação que se expandiu com objectivos exploratórios e não de conquista como os espanhóis. É o mar que nos dá o que os outros não têm. Aliás, é o Oceano que os outros não têm, que nos empurrou para novos mundos. Além disso como poucos povos nessa Europa, somos mistura explosiva de várias culturas. Celtas e germanos, de mediterrâneos e berberes. Fenícios e Normandos. Romanos, Suevos, Visigodos, Mouros, Judeus, Africanos. Somos portanto a Europa, o Mundo, em potencial genético.

Também percebi porque somos mais sonhadores e emotivos. Ou “sensíveis sem sermos fracos”. Não tínhamos aquela exuberância em gestos e palavras que tinham os italianos e só ligeiramente bêbados nos desinibiamos no meio de um grupo. Éramos como os espanhóis, individualistas, mas tínhamos solidariedade com os outros.

Éramos e vamos ser sempre únicos numa forma específica de saudade. Porque os romenos também a tinham e até a definiam com uma palavra própria como nós, mas a nossa saudade é uma saudade que se sonha, uma saudade que nos leva a agir e uma saudade que paradoxalmente nos traz também fatalismo. Compreendi porque é que os alemães, austríacos, holandeses não ostentavam o luxo como nós e os outros latinos tendo o seu “sentido capitalista estava mais apurado”. Os portugueses também me revelaram mais uma vez essa assimilação quase total à Roma onde se é Romano. Podemo-nos realmente adaptar facilmente a qualquer situação Acho que foi a nossa natural empatia e não termos “repugnância pelas outras raças” que nos fez mesclar tão bem naquele ambiente internacional.

Somos um povo eficaz na ironia porque nos gostamos de ver ao espelho todos os dias e temos medo do ridículo. Sabemos bem o que pode ser troçado em nós para o podermos aplicar nos outros. Os portugueses foram talvez os que deram mais alcunhas e apelidos aos outros, como o da rapariga alemã menos bonita a quem chamávamos simplesmente, “o Urso”.
A experiência com compatriotas nacionais e deste planeta fez-me amar mais as duas pátrias. Mas afinal não concordo muito com o Sócrates (o que nunca vai ser esquecido) quando diz que «não era ateniense nem grego, era um cidadão do mundo». Não posso ser tão radical. É verdade é que às vezes me sinto mais português, outras menos, sentindo-me sempre cidadão do mundo. Contudo esta humanidade vem da minha cultura, de uma cultura portuguesa que um dia gostava que se cumprisse. Porque acho que o exemplo que os portugueses por este mundo espalhados têm dado, tem sido bonito. Como é bonito italianos abraçarem-nos e dizerem que vão sentir a nossa falta, ou como é bonito espanhóis admitirem que não sabiam que Portugal era assim tão diferente. Como é bonito ouvir croatas desconhecidos num jardim a cantarem Amália Rodrigues e encontrarem pontes entre povos que estiveram em trevas. Como é bonito ouvir a estória de uma violinista húngara que o sonho de pequena no que toca a viagens sempre foi, e ainda é, ir ao ponto mais ocidental da Europa. Como é bonito ouvir um marroquino dizer “foda-se” e sorrir ou um americano gritar, “the fucking portuguese are great”. Como é bonito ouvir um norueguês (ver lista dos países mais desenvolvidos do mundo) dizer que gostava de viver em Portugal.

Eu também gostaria de viver em Portugal. O norueguês descobriu e eu tive a confirmação que nós somos um grande povo, com alma distinta, que temos pessoas criativas e dinâmicas, que marcamos pela diferença positiva. O que o noruguês não sabe é que o que não temos ainda é um país.G.F.

quinta-feira, setembro 08, 2005

bicicleta

O tempo não é um carro novo sem marcha atrás. O tempo é uma bicicleta de pneus carecas que se conduz embriagado quase sempre sozinho, de outras vezes com boleia, e cuja corrente pode ser boa e segura mas toda a gente sabe que mais cedo ou mais tarde te a vão roubar. G.F.
«Não leias, olha.
Não olhes, vai.»
Paul Celan

quarta-feira, setembro 07, 2005

FarWest

E tudo o vento levou naquele Golfo, berço da cultura mais genuinamente americana. E não levou só casas e vidas. Nos destroços do “Katrina” vai também o modelo de vida americano. O da brutal lei do mais forte em que quem tem possibilidade é seleccionado e quem é fraco sucumbe à batota de um estado inexplicavelmente atrasado nos seus deveres sociais. Um país que se esqueceu dos seus, atirados à selva neo-veneziana do salve-se quem puder ou da caridade privada de quem ainda vai tendo vergonha de ter tanto. A lógica pós-tragédia do “quem tiver a arma maior, sobrevive” prova a existência de um grande terceiro mundo não só económico, mas também ideológico, parco em humanidade e ali mesmo, tão longe de Bagdad e Kabul, tão perto de Washington, Uma conclusão a que chego é que qualquer governo constituído por cowboys arrisca-se a viver no FarWest.G.F.

graça

«Nascemos de graça e passamos a vida a tentar ganha-la.» Agostinho da Silva numa das melhores surpresas que o zapping me trouxe.

Provérbio de Buenos Aires

«Os morcegos estão-se a cagar para tudo» Miguel

vitórias

Aqueles ténis da “Lacross” azul bebé não tinham atacadores. Eram de velcro e era simples calça-los, correr, chutar e descalça-los. As calças de bombazine castanhas tinham um distintivo do Benfica que dificilmente encobria a tatuada nódoa negra habitual da queda. A camisa de flanela amarela rubramente quadriculada, sempre desfraldada, limpava o suor de uma testa de puto. A camisola de lã aos losangos fazia de poste esquerdo e já tinha sido por duas vezes a causa polémica de um golo anulado. A bola já não tinha hexágonos. Na verdade, era mais câmara-de-ar que couro. Mas era uma bola muito boa. Nem saltava muito, nem era pesada. Era perfeita para aquele final de tarde de Novembro a chegar em que perdíamos 9 a 8. Não havia árbitro, havia bom senso. Não havia prémios de jogo, havia água de uma boca-de-incêndio arrombada pelos “grandes”. Não havia tempo, acabava aos 10 e mudava de campo aos 5. Mudar de campo era importante, porque naquela segunda parte tínhamos de jogar contra uma inclinação de 10 por cento diziam-nos. Mas nós nem sabíamos o que era uma inclinação de 10 por cento. Bastava saber que o lixado era ter de correr a subir ou pior, ter de correr a descer quando sofríamos a vergonha de um golo. Era importante fintar, mas mais imprescindível era não rematar para dentro da garagem do senhor Domingos. Acabava-se o jogo, acabavam-se os jogos até que alguém aparecesse com uma nova bola. E havia os donos da bola insuportáveis, os que não aceitavam uma decisão técnica da assembleia infantil e diziam que podiam acabar com tudo porque o esférico era deles. Isto quando não se compravam bolas a meias com o dinheiro esquecido nos estofos dos sofás dos pais. Importante era chegar aos 10, nem que já fossem horas do banho, nem que o lusco-fusco mal deixasse ver se a outra equipa tinha diminuído as balizas sem repararmos.

Aqueles ténis da "Lacross" azul bebé já tinham o calcanhar desfeito e a biqueira quase descosida mas tinham sido feitos para ele. Com eles era fácil fazer tudo, centrar como o Vítor Paneira, saltar e cabecear como o Rui Águas, chutar do meio campo e facturar à Isaías. Podia fazer-se tabelas nas garagens fechadas desde que não fizesse muito barulho. O nosso 9 a 9 tinha sido feito assim: com o esforço de um petardo traiçoeiro. Uns protestos e fintas depois, quando a mãe do guarda redes deles gritou pela janela que “ia ficar de castigo se não viesse já para cima”, este pediu para trocar avisando-o a bom som. Só que depois esqueceu-se que já não era o “redes”. È que a equipa deles estava sempre a trocar, nós não. Nós tínhamos um puto que não jogava mesmo nada à frente. Era gordo. Para compensar tínhamos um preto que driblava como o Maradona, mas que raramente marcava um golo. Infortúnios de uma equipa de putos com 9 anos.

Era nitidamente penalty apesar dos argumentos dos dois patrões da baliza. Decidiu-se que por via das dúvidas o penalty seria marcado de muito mais longe, quase da nossa baliza. O sol escondia-se atrás do monte e era difícil distinguir a mochila roxa e amarela que fazia de poste direito e a pedra de calçada branca. O puto da franja suada, dos ténis azul-bebé só queria que fosse golo, porque queria ganhar e porque estava cheio de fome e porque queria ir ver televisão. O puto nunca jogava nada, mas trabalhava em equipa. Corria com os pés para fora. Mas fazia bons passes, colocava bem a bola. Era a sua primeira vez de marcar e o gordo dizia-lhe ao ouvido que o lado esquerdo do porteiro era o débil. Foi nesse momento que ela passou, ia entrar no prédio, vinha do ballet. Deve ter pensado que éramos uns parvos por estar a jogar à bola naquelas horas tardias. Ou provavelmente deve ter desprezado completamente o jogo. Mas depois viu que todos estávamos atrás da linha da bola. Mesmo que não percebesse as regras viu que algo importante iria acontecer.

Aqueles ténis da “Lacross” eram verdadeiramente confortáveis. Remataria com a parte de dentro do pé, em jeito, ou de biqueira, com força? Correu desengonçadamente, e olhou para o lado direito rematando completamente à figura. Foi um frango, foi um golo e foi uma vitória. Quando todos já tinham ido embora, encontraram-se no elevador. Olharam os dois no espelho e ela disse-lhe a rir que ele estava a “suar que nem um porco”, ele respondeu que “mais valia suar que nem um porco que ser um”. Antes de chegar ao seu andar e sair ela ainda teve tempo de dizer que “os ténis deles já jantavam”. Quando lhe abriram a porta e se descalçou, o puto pensou que aqueles ténis azul bebé da “Lacross” com velcro e envelhecidos eram a melhor coisa do mundo. Não era uma miudinha tão estúpida como aquela que o ia fazer esquecer o golo daquele início de noite. Haveria amanhã tempo para que as mulheres o fizessem esquecer outras vitórias. G.F.

Da canção "Bocca di Rosa" de Fabrizio di André,1967

Chamavam-lhe Boca de Rosa. Colocava o amor sobre todas as coisas. Mal tinha descido no apeadeiro de Santo Hilário, vieram todos observa-la e logo ali descobriram que não se tratava de um missionário. Existem aqueles que fazem o amor por aborrecimento, outros que fazem o amor por profissão. Boca de Rosa não, fazia-o por paixão. Mas a paixão frequentemente conduz à satisfação da própria vontade e Boca de Rosa não se perguntava se o outro tinha o coração livre ou mulher. De um dia para o outro atiraram-se a si as cadelas a quem lhes tinha tirado o osso.

Sabe-se que as gentes dão bons conselhos, sentindo-se como Jesus no templo. Dão bons conselhos se não podem dar um mau exemplo. Assim, uma velha que nunca foi mulher, nunca teve filhos, sem ter mais desejo, começou a dar conselhos a toda a gente. Dirigindo-se às cornudas, apostrofou com palavras agudas: «O furto de amor será punido». E aquelas mulheres foram ao comissário e disseram sem parafrasear: «Aquela nojenta tem mais clientes que uma mercearia». Chegaram quatro polícias com penáculos e com armas. Um coração terno não é um dote da polícia, mas naquela vez, quando acompanharam Boca de Rosa ao apeadeiro, iam de má vontade.

Na estação estavam todos, desde o comissário ao sacristão, com os olhos vermelhos e chapéu na mão. Vieram saudar aquela que por pouco tempo trouxe o amor à sua aldeia. Havia um cartaz amarelo que dizia assim «Adeus Boca de Rosa, contigo parte a Primavera».
Mas uma notícia um pouco original não tem necessidade de nenhum jornal. Como uma flecha disparada de um arco andou veloz de boca em boca. Na estação sucessiva estava ainda mais gente do que naquela donde tinha partido. Havia aqueles que mandavam beijos, outros flores, outros que reservavam espaço por duas horas. O Pároco abençoou e foram todos em procissão. A Virgem na primeira fila, Boca de Rosa um pouco afastada. E assim foram pela aldeia. O amor sacro e o amor profano. trad.G.F.

elogio

«Gostava de ter tido um avô como tu, um pai. Se um dia poder escolher, gostaria de um marido como tu. Ter filhos. Iguais a ti.» V.