“È o país que temos.” Assim se concluem muitas discussões sobre este pedaço de terra em que vivemos. Esse resumo triste é feito com um encolher de ombros, de esperança perdida. Criticamos Portugal e criticamos os portugueses como se todos tivéssemos de pagar com a longa demora dos juros feitos de incêndios, seca e aumento da gasolina, uma Glória que em tempo tivemos como nação. Baixamos os ombros como se já soubéssemos o final do filme e apenas permanecêssemos na sala porque pagámos o bilhete. E um bilhete caro. Só que não sabemos que os outros países também têm um país ao qual respondem, “é o que temos”. A diferença é que no estrangeiro não se encolhem os ombros, arregaçam-se as mangas. Trabalha-se porque problemas existem em todo o lado e até mais graves que aqui. O medo de descobrir a solução ou o medo de se ter de trabalhar para descobrir esse desconhecido resolver é que nos vai empurrando contra o canto.
E quando se está fora desse canto por alguns meses percebe-se melhor porque somos bons, às vezes surpreendentemente melhores, mas também medíocres, às vezes assustadoramente piores. Viver numa comunidade de jovens de quase todos os países da união europeia e ter a oportunidade de conhecer e encontrar amigos americanos, australianos, argentinos, americanos, brasileiros, israelitas e iranianos ajudou-me a perceber duas coisas: que existem diferentes personalidades geográficas mas que também existem afastamentos e comunhões universais, humanas. Hoje escrevo sobre a primeira e sobre o povo que temos e que descobri fora da sua pátria territorial.
Naquele tubo de ensaio inter e intra cultural que é o “Erasmus”, a nossa cultura resultava quase sempre dominante. Pelo menos, posso afirmar (com todas as excepções que uma generalização sempre trás e sabendo que só generalizando se pode ser verdadeiramente polémico no que toca a diferenças de grupos) que: na organização de actividades, na criatividade com que se preparavam, na literacia, no grau de conhecimento sobre os outros e das suas línguas maternas, no sentido de humor sarcástico, na capacidade de organizar o muito estudo em poucas horas, no tão típico super poder do desenrascar em situações inesperadas, no cantar animadamente não só coisas suas mas também dos outros países, no unir das várias nacionalidades, os portugueses eram quem se distinguia. Não o digo com orgulho, escrevo-o até com auto-estima nacional mais diminuta. Porque percebi que temos qualidades que os outros não têm mas não nos fazemos usar delas para termos um país um pouco melhor a nível sócio— económico e cultural.
No estrangeiro percebi o carácter expansivo da cultura portuguesa, da missão inconsciente que temos em estreitar laços entre os continentes e entre os homens por estarmos para aqui remetidos. Somos filhos de uma nação que se expandiu com objectivos exploratórios e não de conquista como os espanhóis. É o mar que nos dá o que os outros não têm. Aliás, é o Oceano que os outros não têm, que nos empurrou para novos mundos. Além disso como poucos povos nessa Europa, somos mistura explosiva de várias culturas. Celtas e germanos, de mediterrâneos e berberes. Fenícios e Normandos. Romanos, Suevos, Visigodos, Mouros, Judeus, Africanos. Somos portanto a Europa, o Mundo, em potencial genético.
Também percebi porque somos mais sonhadores e emotivos. Ou “sensíveis sem sermos fracos”. Não tínhamos aquela exuberância em gestos e palavras que tinham os italianos e só ligeiramente bêbados nos desinibiamos no meio de um grupo. Éramos como os espanhóis, individualistas, mas tínhamos solidariedade com os outros.
Éramos e vamos ser sempre únicos numa forma específica de saudade. Porque os romenos também a tinham e até a definiam com uma palavra própria como nós, mas a nossa saudade é uma saudade que se sonha, uma saudade que nos leva a agir e uma saudade que paradoxalmente nos traz também fatalismo. Compreendi porque é que os alemães, austríacos, holandeses não ostentavam o luxo como nós e os outros latinos tendo o seu “sentido capitalista estava mais apurado”. Os portugueses também me revelaram mais uma vez essa assimilação quase total à Roma onde se é Romano. Podemo-nos realmente adaptar facilmente a qualquer situação Acho que foi a nossa natural empatia e não termos “repugnância pelas outras raças” que nos fez mesclar tão bem naquele ambiente internacional.
Somos um povo eficaz na ironia porque nos gostamos de ver ao espelho todos os dias e temos medo do ridículo. Sabemos bem o que pode ser troçado em nós para o podermos aplicar nos outros. Os portugueses foram talvez os que deram mais alcunhas e apelidos aos outros, como o da rapariga alemã menos bonita a quem chamávamos simplesmente, “o Urso”.
A experiência com compatriotas nacionais e deste planeta fez-me amar mais as duas pátrias. Mas afinal não concordo muito com o Sócrates (o que nunca vai ser esquecido) quando diz que «não era ateniense nem grego, era um cidadão do mundo». Não posso ser tão radical. É verdade é que às vezes me sinto mais português, outras menos, sentindo-me sempre cidadão do mundo. Contudo esta humanidade vem da minha cultura, de uma cultura portuguesa que um dia gostava que se cumprisse. Porque acho que o exemplo que os portugueses por este mundo espalhados têm dado, tem sido bonito. Como é bonito italianos abraçarem-nos e dizerem que vão sentir a nossa falta, ou como é bonito espanhóis admitirem que não sabiam que Portugal era assim tão diferente. Como é bonito ouvir croatas desconhecidos num jardim a cantarem Amália Rodrigues e encontrarem pontes entre povos que estiveram em trevas. Como é bonito ouvir a estória de uma violinista húngara que o sonho de pequena no que toca a viagens sempre foi, e ainda é, ir ao ponto mais ocidental da Europa. Como é bonito ouvir um marroquino dizer “foda-se” e sorrir ou um americano gritar, “the fucking portuguese are great”. Como é bonito ouvir um norueguês (ver lista dos países mais desenvolvidos do mundo) dizer que gostava de viver em Portugal.
Eu também gostaria de viver em Portugal. O norueguês descobriu e eu tive a confirmação que nós somos um grande povo, com alma distinta, que temos pessoas criativas e dinâmicas, que marcamos pela diferença positiva. O que o noruguês não sabe é que o que não temos ainda é um país.G.F.
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