quinta-feira, setembro 18, 2014

Borges y yo

Borges y yo

«Al otro, a Borges, es a quien le ocurren las cosas. Yo camino por Buenos Aires y me demoro, acaso ya mecánicamente, para mirar el arco de un zaguán y la puerta cancel; de Borges tengo noticias por el correo y veo su nombre en una terna de profesores o en un diccionario biográfico. Me gustan los relojes de arena, los mapas, la tipografía del siglo XVII, las etimologías, el sabor del café y la prosa de Stevenson; el otro comparte esas preferencias, pero de un modo vanidoso que las convierte en atributos de un actor. Sería exagerado afirmar que nuestra relación es hostil; yo vivo, yo me dejo vivir para que Borges pueda tramar su literatura y esa literatura me justifica. Nada me cuesta confesar que ha logrado ciertas páginas válidas, pero esas páginas no me pueden salvar, quizá porque lo bueno ya no es de nadie, ni siquiera del otro, sino del lenguaje o la tradición. Por lo demás, yo estoy destinado a perderme, definitivamente, y sólo algún instante de mí podrá sobrevivir en el otro. Poco a poco voy cediéndole todo, aunque me consta su perversa costumbre de falsear y magnificar. Spinoza entendió que todas las cosas quieren perseverar en su ser; la piedra eternamente quiere ser piedra y el tigre un tigre. Yo he de quedar en Borges, no en mí (si es que alguien soy), pero me reconozco menos en sus libros que en muchos otros o que en el laborioso rasgueo de una guitarra. Hace años yo traté de librarme de él y pasé de las mitologías del arrabal a los juegos con el tiempo y con lo infinito, pero esos juegos son de Borges ahora y tendré que idear otras cosas. Así mi vida es una fuga y todo lo pierdo y todo es del olvido, o del otro.

No sé cuál de los dos escribe esta página.»


Jorge Luis Borges, 1957

quarta-feira, setembro 10, 2014

«Em 15 minutos toda a gente vai ser famosa» I

Penso que tinha dez anos quando comecei a ver a série “Indiana Jones e as Crónicas da Juventude”. Tornou-se na minha série preferida porque o MacGyver estava a terminar ou tinha já acabado. A minha disciplina preferida sempre fora História e o facto do pequeno Indiana Jones ter também dez anos e viver as aventuras nos lugares mais fantásticos do mundo fazia-me sonhar com uma vida igual.

 Acho que todos queríamos ser Indianas Jones. Não conheço nenhuma personagem mais fixe. Se me perguntassem um pouco mais tarde o que queria ser quando fosse grande eu e outros amigos meus queríamos ser arqueólogos-professores que lutam pelo bem em lugares onde a história mundial se está a escrever. O que mais me fascinava na série de que falo é que em cada episódio o velho Indiana Jones contava como tinha sido a sua presença juvenil em cenários como a grande guerra mundial, a revolução bolchevique ou a Paris dos Cubistas. O Indiana Jones não se tornou famoso por ter conhecido Picasso, Lenine ou o Hitler, mas ouviu-os ou disse-lhes alguma coisa em alguns momentos. Eu tinha um sonho de poder também viver uma vida assim. De aventuras e de, nos entretantos, poder conhecer vultos contemporâneos que mudam o nosso mundo. Sem ser notado, mas contente por ter aprendido qualquer coisa com eles. Saber que me viram um dia e, mesmo se esquecendo completamente de mim, eu poder dizer aos meus netos que troquei algumas palavras ou até histórias. Eu que adoro biografias  gostaria de guardar na memória alguns encontros com estas pessoas que, por talento, sorte ou trabalho se tornaram celebridades famosas. Talvez seja por saber que a maioria se irá libertar mais facilmente que nós das leis que a mortalidade dita e este desejo seja porventura o de lhes retirar um pouco dessa imortalidade. Talvez porque os figurantes sentem por vezes o desejo escondido de terem uma ínfima contra-cena com os protagonistas.

Todos os que viram o Forest Gump na altura e se sentiram assombrados pelo facto de ele ter tido a influência ficcional que teve junto de algumas figuras do século XX também percebem este sentimento. Era o Forest Gump que eu queria ser. O basbaque dos bastidores. O taxista zé-ninguém à conversa com artistas, políticos e sumidades de menor ou maior grau. Não é pois assim de procura de autógrafos de que falo. Um dos poucos autógrafos que pedi na vida foi ao Mickey e isso nem me parece que mereça qualquer relato. Não tenho selfies com conhecidos e pseudo-conhecidos da nossa praça. Mas tenho algumas histórias que gostava que contar sobre os cruzamentos que tivemos. Infelizmente nenhuma tem o poder de argumento que o Indiana Jones e o Forest Gump tiveram. A maioria são com portugueses o que relativiza a sua celebridade mundial. Eles não se lembram do contacto mas queria que outras gerações de Fontes pelo menos pudessem sorrir ao saberem que me cruzei com algumas das pessoas que eles só vão conhecer da Wikipedia.

O Andy Warhol celebrizou a expressão «No futuro toda a gente vai ter 15 minutos de fama» e depois parodiava a própria citação dizendo «No futuro 15 pessoas serão famosas» e «Em 15 minutos toda a gente será famosa». Decidi escolher esta última, pela sua maior fugacidade e adequabilidade à realidade que conheci. Será assim a frase que dará título a um conjunto de histórias pouco fascinantes e corriqueiras resumidas a menos que três frases e que vão desde o Rei Eusébio, à Mariza, Soraia Chaves, Platini, Toy, Noel Gallagher, José Luís Peixoto, Jorge Palma entre outros.


Felizmente posso escrever porque não sou famoso. Gonçalo Fontes

sexta-feira, setembro 05, 2014

"almost like the blues"

«I saw some people starving
There was murder, there was rape
Their villages were burning
They were trying to escape
I couldn’t meet their glances
I was staring at my shoes
It was acid, it was tragic
It was almost like the blues

I have to die a little
Between each murderous thought
And when I’m finished thinking
I have to die a lot
There’s torture and there’s killing
And there’s all my bad reviews
The war, the children missing
Lord, it’s almost like the blues

So I let my heart get frozen
To keep away the rot
My father said I’m chosen 
My mother said I’m not
I listened to their story
Of the Gypsies and the Jews
It was good, it wasn’t boring
It was almost like the blues

There is no G-d in Heaven
And there is no Hell below
So says the great professor
Of all there is to know
But I’ve had the invitation
That a sinner can’t refuse
And it’s almost like salvation
It’s almost like the blues.»



Leonard Cohen, 2014

https://www.youtube.com/watch?v=szYrXzEi0cg

quinta-feira, setembro 04, 2014

не снова!

Há 75 anos atrás, no dia 1 de Setembro, a Alemanha Nazi invadia a Polónia e começava a Segunda Guerra Mundial.

Qualquer decisão que resulte na morte de quem quer que seja o homem, mulher ou criança é um tenebroso retrocesso na nossa civilização. É urgente estar atento e lutar para que histórias, como as deste rapaz polaco que regressa para ver que já não existe a sua casa de Varsóvia, deixem de se repetir.

Acabar-lhes com a tusa de poder e de glória nefasta enquanto é tempo. Propagandear a paz e eliminar a raiz do ódio tão cedo quanto o necessário.G.F.

                                                                            AP Photo/Julien Bryan


This American Life

O meu programa preferido de rádio chama-se "This american life" de Ira Glass. Excepcionalmente premiado tem o seu seu podcast mais visto nos Estados Unidos. Para quem adora rádio falada e sobretudo estórias sobre todo o tipo de gente, ideias e vidas aqui deixo um link de um dos milhares de programas já gravados. Este juntou várias pequenos actos.  Para gravar e ir ouvindo quando se vai ou vem de lá para cá do nosso dia-a-dia.



Em Portugal, qualquer material do excelente Fernando Alves da Telefonia Sem Fios.

 Radialismo de qualidade. 

G.F.

Lisboa está aqui.

Lisboa está aí. Está descoberta na grande torrente do rio da fama global. Tornou-se naquela banda que alguns melómanos alternativos cultivavam e que em sete estações sobe aos topos das tabelas. (sete estações, o tempo que demoram as coisas a morrer ou a tornar-se fenómenos). Lisboa está aí para todos saberem quem é.

Eu, que sempre a conheci, sinto um certa dor-de-cotovelo-mouro. Um ciúme alfacinha. Ambíguo como a todo o ciúme cheira e melancólico como tudo o que é de Lisboa se prova.

A culpa também é de Ary dos Santos e do Carlos do Carmo. Ou de Bernardim Ribeiro. A Lisboa sempre a senti Menina e Moça. Menina de significado terno, cândido mas também de outra (mesma) face lasciva e sedutora. Menina - uma das palavras mais bonitas da Língua Portuguesa. Lisboa o substantivo com mais Luz de todos os léxicos terrestres. Menina-Lisboa- Mulher. Menina dos nossos olhos. Menina que se espraia no Tejo. Solteira que conquistamos mas com quem não dormimos, porque a nossa cama é Queluz, Almada ou Cascais.

 Lisboa, perfil feminino e Capital das outras capitais mulheres. Menina-Metrópole por quem só as gentes com tesão por mulheres (explicitas ou de armários, racionais ou edipianas) se podem verdadeiramente apaixonar.

 Ela está aí para todos conhecerem, esta Menina Celto-Mulata, nascida da mistura mundial das Mulheres mais Bonitas conhecidas e que todos os invasores não ousaram matar, sobretudo desejando nela permanecer.

A nós, que a conhecemos de sempre, é-nos impossível não comparar com todas as outras meninas. Por mais nostálgico-fascinante que esteja a ser a vista a partir da Table Moutain ou a silhueta bordada a minaretes de Istambul ao pôr-do-sol é impossível não comparar logo com a nossa Lisboa. Eu olhei os canais em Veneza e vi gôndolas, um mercador-tenor e um Carnaval-obra-prima. Olhei os lagos de Covadonga e vi vacas no término bucólico do Paraíso, alguma Paz . Olhei Bled e vi fadas, rainhas e arte nas idades das trevas. Mas quando eu olho o Tejo eu sou o Mundo, todas as utopias dos que antes olharam o nosso rio e quiseram «aparelhar esse barco da ilusão». E também vejo merda, tainhas oleadas, cacilheiros de formigas-em-lata.  Que afinal também boiam por quimeras.

 Nenhuma outra Pólis me faz querer navegar assim em vez de viver sempre ali. E eu preciso e gosto disso.De voltar-lhe sempre.

 Estas comparações são seguramente provincianas, bairristas, pequenas, mas Lisboa nunca me foi platónica e pergunto-me o que será do amor se este for um território neutro onde não se queiram enterrar as bandeiras apaixonadas?

Esta Lisboa-Canção aí à descoberta da nova vaga turística foi o lugar escolhido pelos nossos pais para nascermos. Gostava que fossemos muitos mais. Que Lisboa pudesse mesmo dar ao Universo bué alfacinhazinhas, filhos e filhas de Olissipo que enchessem o Jardim Zoológico na Primavera, fizessem o passeio dos tristes de Domingo até à Boca do Inferno ou dessem o primeiro beijo em Sintra. Que surgissem mais alfacinhas de nova genética variada, que respondessem por “sou escalabitano-zulu”, sou “transmontano-inuit” e que aprendessem todos a cantar fado vadio à desgarrada e chorassem ao verem imagens do Glorioso de Eusébio e Coluna a ganharem a Taça dos Campeões Europeus. Gostava que Lisboa, Cidade-Mãe, nos pudesse dar mais filhos. Por azar, esta e outras cidades também tiveram de deitar cá para fora os seus bastardos tornando Lisboa, acompanhando o passo das suas pequenas irmãs por todo o país, numa cidade-de-regresso, numa terra para os que só a querem visitar ou que têm dinheiro para sustentar os seus vícios próprios de uma bela cidade-sol.

 Lisboa está aí para os outros a descobrirem. Está descoberta. Eu fico genuinamente feliz com isso. Alegro-me muito com facto de toda a gente puder conhecer este meu amor que compreende tantos outros pequenos amores. Alegra-me que saibam que existe uma identidade Lisboeta, que se misturem comigo e que me ensinem. Que percebam que não somos Madrid. Que aproveitem esta luz e fiquem mais bonitos. Que saibam a que cheira a liberdade num cravo ou a canela de um pastel de Belém. Que dancem sentindo nos dedos as sardinhas.

 Mas fico muito triste por perceber que Lisboa nem precisava assim de muitos novos filhos. Precisava de vocês meus amigos. Que aqui estivessem quando faz frio, que pudessem enjoar de bacalhau, que participassem nas discussões académicas, criassem identidades artísticas aqui, que alterassem as mediocridades dos círculos políticos nacionais. Gostava que simplesmente vissem os vossos pais envelhecer.

Esta mágoa que ligeiramente abocanha a raiva acalma-se porque sei que um dia vocês vão conseguir voltar de vez das cidades estrangeiras onde vos deixaram continuar a sonhar.  Lisboa estará ali para os outros mas aqui à vossa espera. Então Saudadicida e Moça.  Sempre Menina.

Gonçalo Fontes