quinta-feira, setembro 04, 2014

Lisboa está aqui.

Lisboa está aí. Está descoberta na grande torrente do rio da fama global. Tornou-se naquela banda que alguns melómanos alternativos cultivavam e que em sete estações sobe aos topos das tabelas. (sete estações, o tempo que demoram as coisas a morrer ou a tornar-se fenómenos). Lisboa está aí para todos saberem quem é.

Eu, que sempre a conheci, sinto um certa dor-de-cotovelo-mouro. Um ciúme alfacinha. Ambíguo como a todo o ciúme cheira e melancólico como tudo o que é de Lisboa se prova.

A culpa também é de Ary dos Santos e do Carlos do Carmo. Ou de Bernardim Ribeiro. A Lisboa sempre a senti Menina e Moça. Menina de significado terno, cândido mas também de outra (mesma) face lasciva e sedutora. Menina - uma das palavras mais bonitas da Língua Portuguesa. Lisboa o substantivo com mais Luz de todos os léxicos terrestres. Menina-Lisboa- Mulher. Menina dos nossos olhos. Menina que se espraia no Tejo. Solteira que conquistamos mas com quem não dormimos, porque a nossa cama é Queluz, Almada ou Cascais.

 Lisboa, perfil feminino e Capital das outras capitais mulheres. Menina-Metrópole por quem só as gentes com tesão por mulheres (explicitas ou de armários, racionais ou edipianas) se podem verdadeiramente apaixonar.

 Ela está aí para todos conhecerem, esta Menina Celto-Mulata, nascida da mistura mundial das Mulheres mais Bonitas conhecidas e que todos os invasores não ousaram matar, sobretudo desejando nela permanecer.

A nós, que a conhecemos de sempre, é-nos impossível não comparar com todas as outras meninas. Por mais nostálgico-fascinante que esteja a ser a vista a partir da Table Moutain ou a silhueta bordada a minaretes de Istambul ao pôr-do-sol é impossível não comparar logo com a nossa Lisboa. Eu olhei os canais em Veneza e vi gôndolas, um mercador-tenor e um Carnaval-obra-prima. Olhei os lagos de Covadonga e vi vacas no término bucólico do Paraíso, alguma Paz . Olhei Bled e vi fadas, rainhas e arte nas idades das trevas. Mas quando eu olho o Tejo eu sou o Mundo, todas as utopias dos que antes olharam o nosso rio e quiseram «aparelhar esse barco da ilusão». E também vejo merda, tainhas oleadas, cacilheiros de formigas-em-lata.  Que afinal também boiam por quimeras.

 Nenhuma outra Pólis me faz querer navegar assim em vez de viver sempre ali. E eu preciso e gosto disso.De voltar-lhe sempre.

 Estas comparações são seguramente provincianas, bairristas, pequenas, mas Lisboa nunca me foi platónica e pergunto-me o que será do amor se este for um território neutro onde não se queiram enterrar as bandeiras apaixonadas?

Esta Lisboa-Canção aí à descoberta da nova vaga turística foi o lugar escolhido pelos nossos pais para nascermos. Gostava que fossemos muitos mais. Que Lisboa pudesse mesmo dar ao Universo bué alfacinhazinhas, filhos e filhas de Olissipo que enchessem o Jardim Zoológico na Primavera, fizessem o passeio dos tristes de Domingo até à Boca do Inferno ou dessem o primeiro beijo em Sintra. Que surgissem mais alfacinhas de nova genética variada, que respondessem por “sou escalabitano-zulu”, sou “transmontano-inuit” e que aprendessem todos a cantar fado vadio à desgarrada e chorassem ao verem imagens do Glorioso de Eusébio e Coluna a ganharem a Taça dos Campeões Europeus. Gostava que Lisboa, Cidade-Mãe, nos pudesse dar mais filhos. Por azar, esta e outras cidades também tiveram de deitar cá para fora os seus bastardos tornando Lisboa, acompanhando o passo das suas pequenas irmãs por todo o país, numa cidade-de-regresso, numa terra para os que só a querem visitar ou que têm dinheiro para sustentar os seus vícios próprios de uma bela cidade-sol.

 Lisboa está aí para os outros a descobrirem. Está descoberta. Eu fico genuinamente feliz com isso. Alegro-me muito com facto de toda a gente puder conhecer este meu amor que compreende tantos outros pequenos amores. Alegra-me que saibam que existe uma identidade Lisboeta, que se misturem comigo e que me ensinem. Que percebam que não somos Madrid. Que aproveitem esta luz e fiquem mais bonitos. Que saibam a que cheira a liberdade num cravo ou a canela de um pastel de Belém. Que dancem sentindo nos dedos as sardinhas.

 Mas fico muito triste por perceber que Lisboa nem precisava assim de muitos novos filhos. Precisava de vocês meus amigos. Que aqui estivessem quando faz frio, que pudessem enjoar de bacalhau, que participassem nas discussões académicas, criassem identidades artísticas aqui, que alterassem as mediocridades dos círculos políticos nacionais. Gostava que simplesmente vissem os vossos pais envelhecer.

Esta mágoa que ligeiramente abocanha a raiva acalma-se porque sei que um dia vocês vão conseguir voltar de vez das cidades estrangeiras onde vos deixaram continuar a sonhar.  Lisboa estará ali para os outros mas aqui à vossa espera. Então Saudadicida e Moça.  Sempre Menina.

Gonçalo Fontes

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