Como está um dia de sol, um post light. Para fans de rebelos pintos e psicologias de bares de faculdade. Este post é e não é sobre o Amor. Toda a gente escreve, disserta, hiperboliza, eufemiza, intelectualiza sobre o amor, as relações amorosas. Eu neste post não vou fugir à probabilidade científica da estatística social. Porém gostava de começar pelo que me parece mais grave: toda a gente fazer o que agora faço.
Culpabilizo principalmente os poetas, escultores, dramaturgos, pintores, criativos, pensadores, escritores de casa de banho, argumentistas de cinema pela enxurrada de amor que trazem ao nosso quotidiano. As eternidades que despenderam a descrever pores de sol, a elevar em telas uniões consumadas, repetir infindavelmente em todos os dialectos «eu amo-te» enjoaram-nos. Obrigado, conseguiram tornar o mais belo bem da Humanidade num cliché. E já agora que está muito na moda linguística, kitch. Tornaram o romantismo kitch, cliché, descartável. Pior que isso, quanto mais eles falam de amor mais nos vamos afastando de amar. Já nos curaram a quase todos da ridícula obsessão de encontrar a mulher ou o homem das nossas vidas. E então já tratados e combatendo todo o combate épico de Amar, hoje proclamado obsoleto, vamos gostando, ora aqui ora ali de algumas, navegando em corpos em que nunca nos interessará estar ao leme. Deixamos o Amor para a literatura e cinema, ou para os 10 minutos antes de adormecemos. E como é cada vez mais fácil adormecer vamos acordando e vivendo os dias de conquistas fáceis, de engates estandardizados.
E entre os mais caricatos engates modernos estão os que se iniciam na Internet. Começa-se com um “donde teclas” abreviado, como o resto de toda a corte virtual. Constrói-se a personagem do outrem atrás do monitor. “Interessante e provavelmente giro/a” surgem como alicerces dos castelos no ar. Esquecemo-nos que quase toda a gente é sempre quase tão feia, normal, “simpática”, como nós; que atrás de um lol há de haver um vulgar sorriso.
Então, quando há necessidade de ver esse rosto, subtilmente pergunta-se pelo novo paladino do engate globalizante, o MSN. È muito mais fácil que perguntar: “tens fotos na praia?”. Por duas razões. Porque é explícita e nitidamente preverso queremos indagar sobre o potencial estético sexual do outro e porque as pessoas destas tribos têm sempre 10 ou 12 fotografias que por “acaso” tiraram no Algarve o Verão passado. Assim, os dois que procuram o mesmo, atenuam puritanamente as suas pulsões. Há também a possibilidade de se pedir o envio da fotozita do canto. Para ver melhor as mamas ou os abdomens, pensam. “Porque não se percebe bem o teu olhar, uma vez que o quadradinho é pequeno”, teclam. Os mais ousados e talvez menos cínicos ligam logo a webcam e microfones.
O jogo continua até chegar o timing perfeito para se conseguir o número de telemóvel. Diz-se o que se quer ouvir, mandam-se ursinhos em pacotes “compre 3 mensagens de imagem leve 4” e s.m. essa-se um “eu curto-te bués”. O que 90 por cento das vezes se traduz num “quero mandar-te uma valente queca”, especialmente quando as mensagens estão inundadas de reticências. E começam então os festejos de amor da Vodafone, da TMN.
Um dia, uma semana, um mês, conforme o índice de coragem hormonal, e marca-se um encontro. De preferência num centro comercial com muitas lojas, muitos estímulos que distraiam de uma possível conversa. Afinal o ritual de engate já foi estabelecido. Escolhe-se um filme que exija uma reflexão introspectiva, como “Scary Movie” ou o “Hulk”. Sai-se do filme com a sensação de não ter percebido bem o argumento, talvez porque as legendas passam muito depressa.
Depois, dependendo das horas a que têm de estar noutro lado, ou estaciona-se o carro num sítio “romântico” (qualquer terriola tem um, até Lisboa tem a Torre de Belém) ou vai-se para a casa despaternizada.
Já de novo e sozinho frente ao computador, muda-se de nick, e começa novamente a hora de ponta. Ou ali, ou numa discoteca, numa praia. Enfim, um vampirismo modernista invertido em que os próprios chupistas se consomem. São vidas dizem. Pergunto-me sobre qual será o ritual mais solitário. Este, ou o nosso, o dos que ainda não têm problemas de parecerem ridicularmente obsoletos?
P.S. Como é óbvio, o título do post serviu apenas como garantia da vossa leitura integral desta pseudo-reflexão. Se tal fosse verdade, neste momento não estaria por estas bandas a ouvir o Eládio Clímaco a relatar o Festival da Canção. G.F.
Sem comentários:
Enviar um comentário