quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Deixem-nos rir

Rir é de facto a melhor forma de abordar esta vida e de a ultrapassar com qualidade. A Biologia, a Neurofisiologia, a Psicologia Social explicam-no. Não gosto desta moda da “Stand Up Comedy” que tem vindo a dominar a televisão portuguesa. Muita quantidade e pouca qualidade. Às vezes penso que entrámos na obrigatoriedade doentia de nos rirmos. Mas rir é como pensar em sexo, surge sem barreiras. Deixem-nos simplesmente rir.

Sempre me ri (mesmo antes de ter começado a pensar em sexo) e sempre me senti agradecido pelos pequenos instantes em que o pude fazer. Neste post não quero portanto criticar os quilogramas de piadas, anedotas, lugares comuns, sketches, imitações que nos invadem os campos atencionais. Quero elogiar o humor.

Não somos obrigados a rir, mas temos. Se desde à partida começamos a chorar, qual a melhor forma de combater o infortúnio dessa certeza que é a morte, senão rirmo-nos? Mas rir de quê? Do rídiculo. Dos absurdos do dia a dia. Porque não, da simples queda de uma velhota na rua...Rimo-nos de tudo e absorvemos o humor numa rotina diária. Rimo-nos dos Tonys, dos Zézés, das Tias, dos Alentejanos, dos Pretos, das Loiras, das Bruxas e dos Professores Mamadus. Palhaços que vivem em cada um dos nossos conhecidos. Rimo-nos dos estigmatizados, dos diferentes e também dos que são mais iguais aos de si mesmos. Rimo-nos dos grupos. Rimo-nos das tribos. Rimo-nos dos velhos e das crianças. Adoptamos preconceitos e vestimo-los de gargalhadas. Se queremos rir temos o trabalho facilitado ouvindo os políticos e penso que até os autores da "Contra Informação" estão agradecidos aos políticos pelo sucesso do seu programa. Os homens que, poderosos dominam este país, são de facto um dos maiores veículos das gargalhadas. Rimo-nos da ignorância de um povo que recebe a Selecção com cartazes com o dístico: "ELEVÀMOS BEM ALTO A FAÌSCA". Rimo-nos então dos inquéritos de rua. Rimo-nos com a genialidade de Homens que mordem cães e Gatos Fedorentos. Rimo-nos de Hermans do século passado, de Ruefes, das guerras dos Solnados, do lado B do Tochas, do Castelo Branco do Bruno, da tourada do Aldo Lima. Rimo-nos das bebedeiras dos amigos, rimo-nos das gafes dos professores. Rimo-nos da nossa mesada. Rimo-nos do desespero próprio e dos outros. Rimo-nos dos que acham que nos estamos a rir deles. Rimo-nos da pessoa que amamos, senão provavelmente nem a amávamos. Muitas vezes fazemos rir os outros quando não encontramos o caminho para o fazermos a nós mesmos. Rimo-nos frente ao medo, mascaramo-nos de sorrisos frente à solidão. Rimo-nos para não chorarmos.

Definitivamente temos de nos rir. Até para nos identificarmos. Ninguém se ri como nós, ao faze-lo assinamos a nossa singular humanidade. Além disto temos a liberdade de nos rirmos quando, como e de quem quisermos. Nessa sinceridade partilhada de uma gargalhada podemos encontrar tanto afinidades como amarguras. Tanto comunhões como fronteiras.

Rimo-nos dos outros e principalmente de nós e da nossa condição humana tecida de fatalidade. É a nossa arma de sobrevivência, a nossa terapia, o nosso escape de um mundo que nos se acaba um minuto desses que ai chegam. Como diria Mordillo «Depois de Deus inventar o Homem e a Mulher, teve de inventar o humor senão o mundo entraria em colapso» Obrigado a todos os que me mantêm afastado desse colapso, sobretudo os que me deixam rir. G.F.

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