domingo, julho 18, 2004

desgovernos

Não poderia ter havido melhor altura que esta para entrar de férias e depois, em Outubro, ir viver para outro país.
 
Depois do Euro voltamos ao mesmo lugar luso comum, aos incêndios nas matas e nas densas florestas da política. Ao bacoquismo de todos os poderes. À tanga já despida de metáfora.
Este país que vai entrar em Outubro depois de grandes banhadas é um país onde a política tem menages com as revistas cor-de-rosa e o futebol. Onde nem a esquerda escapa à pressão da dita estabilidade económica. Onde os únicos que acabam por se manifestar contra o estado a que isto chegou ou se manifestam só por manifestar, ou são anarquizados em argumentos ou estão simplesmente sobre o efeito de psicotrópicos. Àqueles cujos olhos não brilham ou não se lhes arreganham os lábios face às objectivas não interessa estar no poder. O trabalho sério e a crítica construída faz-se de gente anónima cuja sede não é a de poleiros, mas a de ter um país evoluído, onde na mesma frase não apareça o seu nome, "cauda" e "Europa".
 
Acho que todos temos a culpa. Aprendemos desde novos a gozar com quem nos governa e ao mesmo tempo a desresponsabilizarmo-nos pelo futuro da sociedade. E a verdade é que este governo da brilhantina está lá porque a maioria queria uma mudança do legado socialista para algo melhor. Este povo não queria Portas e teve-o algum tempo depois de ter votado e percebido mais uma vez o quanto valia uma promessa eleitoral. Este povo quis,  à falta de melhor, um medíocre Durão. Acho que não queria um ex-paineleiro futebolístico, ex-marido de uma jet-set, ex-presidente do Sporting, ex-candidato a não candidato à Presidência da República, ex-primeiro ministro fictício em programas da sic, ex-contra-atacante de Portas. 
 
Sampaio se calhar foi sensato. Talvez cada povo tenha o governante que merece.   Mas acho que alguns portugueses mereciam outro tipo de gente a cuidar dos nossos serviços de saúde, educação, das reformas, dos impostos. Gente que não aparecesse nos estádios a dar entrevistas depois dos jogos,  gente que não contestasse decisões de tribunais por estarem envolvidos amigos,  gente que não andasse a comprar vitórias em lotas, gente que não quisesse encher isto de acampamentos pela paz canábica, gente sem dogmas escamoteadores da verdade dos factos da história.  Penso que este país precisa de Políticas, não precisa de pOLÍTICOS. 
 
Este país talvez precise mas é que eu vá para esse país liderado por Berlusconi para perceber que afinal ser-se latino é igual em todo lado: é a arte de bem viver em contrato vitalício com o desenrascanço quotidiano. G.F.
  
 

um gémeo mau

Fora os que invento, tratam-me por muitos nomes. Alcunhas ou apelidos. Nos escuteiros chamam-me Gémeo por causa de um mal entendido. A verdade é que agora há muita gente que só me conhece ou trata por "Gémeo". E é também verdade que gostava de ter mesmo um irmão gémeo. Monozigótico.  Um gajo igualzinho a mim mas em simétrico. Com as qualidades e os defeitos que não tenho. Que tomasse algumas atitudes que às vezes não consigo ter. Gostava de ter um irmão completamente odioso e odiante. Alguém a quem nunca tratassem por esse amaricado sufixo de inho “Gonçalinho”, “fofinho”, “bonzinho”. Que olhassem para ele como um ganancioso mafioso maquiavélico destroçador de corações femininos em vez de o verem como uma espécie de missionário da boa vontade, paz de alma, cultivador da paz entre os povos. Era só fazer tudo o que não faço e depois bastar-me-ia dizer que era ele e seria ilibado. Sim, gostava de ter um irmão gémeo maléfico. Porque ser-se bom é terrivelmente entediante e os maus só não se safam quando ainda são crianças. G.F.
 
I Wish I Had An Evil Twin
 
I wish I had an evil twin,
Running 'round doing people in.
I wish I had a very bad
And evil twin to do my will.
To cull and conquer, cut and kill.
Just like I would if I weren't good
And if I knew where to begin

Down and down he goes.
How low, no one would know.
Sometimes the good life wears thin,
I wish i had an evil twin

My evil twin would lie and steal,
And he would stink of sex appeal.
All men would writhe beneath his scythe.
He'd send the pretty ones to me.

And they would think that I was he.
I'd hurt them and I'd go scott free.
I'd get no blame and feel no shame.
'Cos evil's not my cup of tea.

Down and down he goes,
How low I would not need to know.
All my life there should have been
An evil twin.

Magnetic Fields, 2004


 

Ultimacto

          
A primeira e provavelmente única e última peça de Teatro em que participo estreou na quarta-feira, dia 14 de Julho, pelas 21h30. Foi o culminar de 3 anos de tentativas para iniciar um projecto de Teatro amador, académico, com estudantes da minha faculdade. Com pessoas que partilhassem o mesmo amor pelo Teatro, essa urgência em pisar a madeira sob as ribaltas e tentar que alguém seja tocado. Pelo esboço de um sorriso, por uma ponte com algum momento seu. 
  
Não querendo (mas fazendo) uma retrospectiva, relembro-me agora de quando não tinha literalmente nada. Nem actores, nem textos, nem dinheiro, nem encenadora. Só vontade. Um ano que éramos 6 e desistiram 5, outro ano em que nos tornámos mais e vivendo de improvisos. A experiência pessoal na tentativa de produção da peça com a ajuda do encenador americano Harvey Grossmann O falhar de todo esse projecto. Os improvisos e os imprevistos. A incerteza em continuar o projecto. 

Então, num anfiteatro perto de nós, o meu amigo Francisco ousou dizer aos caloiros, no início deste ano lectivo, que o grupo de Teatro estava já estabelecido e «corria lindamente», as inscrições eram feitas comigo. As gargalhadas desencadeadas depois de olharem para mim demonstram um pouco a deriva em que se encontrava este projecto. Mas isso renovou forças para começar novamente, pelo menos as de colar um papel ordinário na porta do bar. Apareceram muitos e desapareceram muitos. Tal como em qualquer grupo, a força faz-se de quem continua e no dia 14, em palco, ali estávamos os últimos 8 sobreviventes. 8 colegas e a encenadora, a Ana. Ela foi essencial para a formação do grupo, para a motivação, para a organização. Foi a chave que permitiu abrir as portas do nosso desejo de representar. Tudo o que mais posso dizer em relação a ela resume-se a uma palavra simples: gratidão. 

Com a Ana Lacerda, fomos descobrindo as nossas limitações, os nossos talentos que julgávamos não existir. Com ela aprendi que ser-se actor é muito mais difícil do que mesmo os que vão frequentemente ao teatro pensam. Descobri que, felizmente ou infelizmente, não é isto que quero fazer da vida. Que é preciso ter um talento, uma sensibilidade e uma entrega que ainda não tenho, que não existe, como eu gostaria, em mim. Que as pausas, os silêncios, o ritmo, as colocações de voz e de corpo, as intenções, o conflito, os olhares têm de ser trabalhados, esculpidos. Que a arte teatral não é estática e se molda a cada espectáculo, a cada público, a cada vivência. Que é imensamente difícil darmo-nos aos outros sendo outro e fazendo com que ninguém descubra que estamos a ser nós fazendo desse outro.  

Aprendi a dar muito mais valor a quem faz Teatro, a amar ainda mais grandes papéis em palco ou nos cinemas. Percebi que os grandes actores, as grandes actrizes, são gente inumana. Descobrir isto é como se tivesse descoberto Deus ao mesmo tempo que encontrava a minha mortalidade igual à de tantos outros. Se já amava o Teatro agora talvez sinta uma qualquer outra expressão que conceptualize algo maior que esse verbo. 

É mesmo muito bonito saber que numa altura da nossa juventude um cartaz feito por nós, com as nossas pernas, os nossos nomes, a nossa peça, inundam as esquinas da cidade do Tejo, as paredes dos bares do Bairro Alto, as portas dos edifícios públicos e provavelmente algum muro arruinado entre anúncios de aparelhos de rádio e de detergente. È bonito chegarmos aqui sem medo de sermos uma grande merda, de temos arriscado e exposto porque foi o sonho que sempre quisemos tocar. 

Agora que estou prestes a partir ai num aeroporto que sempre foi o lar da minha esperança de fuga, continuo a acreditar nos homens e nas mulheres que vão colando os seus cartazes e reinventando-se com essa urgência que existe num país cada vez mais estagnado, com barricadas burocráticas, políticas, educacionais, onde pode ser instável e muito caro exercer-se democracia. Continuarei a ouvir essas gentes que no meio dos “normaiszinhos” se vão amando e nos amando. G.F.
 
P.S. Aproveitando a publicidade deste blogue e como não sei publicar imagens que não estejam já em algum site, deixo aqui:
 
«Com carácter de urgência»
 
Direcção de Ana Lacerda
Assistência de Joana Moleiro
Produção, Gonçalo Fontes
Textos de Daniel Filipe, Tiago Lila e Rosa Esteves
Músicas de amor em cds pirata
 
Com Carolina Abreu, Estela Ricardo, Gonçalo Fontes, Rita Rodrigues, Rosa Esteves, Rui Santos, Sofia Mendes e Tiago Lila

 
AINDA DIAS 21, 22 E 23 DE JULHO – 21H30 – ENTRADA LIVRE – AUDITÓRIO DA CANTINA VELHA – CIDADE UNIVERSITÁRIA – RESERVAS 916163069



quinta-feira, julho 08, 2004

Aniversário

Este blog fez, no passado dia 2 de Julho, um ano de existência. Só me lembrei hoje quando o stress de ter de estudar me fez relembrar que há um ano atrás estava exactamente na mesma situação. Há fases que realmente são sempre iguais, basta ler alguns dos posts primogénitos para perceber essa realidade. E o mesmo estudo que se adia. Triste sina a de um estudante e pior a de quem tem blogs.G.F.

quarta-feira, julho 07, 2004

Vivendo o Euro2004 VI - A minha derrota

Não percebo quem não entende a importância histórica, afectiva, social, psicológica, económica, que este campeonato da Europa teve para o nosso país. Mais que o nosso país, o Euro conseguiu unir a nossa maior pátria, a da Língua Portuguesa. Não percebo quem não entende o fenómeno desportivo como o único factor capaz de promover a paz entre os povos, como disse Mandela. Quando gosto de falar do futebol, não falo dos senhores das secretárias mas dos magos da bola que, heróis, fazem do seu talento a arte nos relvados da ribalta. Não falo da máquina publicitária mas de quem se senta à frente da tv, de cachecol ao peito, numa rua em construção em Dili ou num café apinhado em Benguela, chorando a cada vitória. Falo das cuecas, das cabritas, dos postes feitos de “monte campos”, do «querem fazer jogo?», das equipas de fora, dos apurados, da rabia, do «muda aos 5 acaba aos 10», do par ou impar para fazer equipas.

Não percebo quem não se emociona ao ver uma finta do Cristiano Ronaldo, ao ver uma defesa sem luvas do Ricardo. Não percebo quem ache que discutir bola é uma futilidade, que não há nada de sublime em ver “22 homens a correr atrás de uma bola”.Não percebo quem ache que emocionar-se por um jogo é coisa de gente pequena. Também não é para esses “grandes” que mostro os momentos em que me embasbaco com o mundo.
Este Euro, o melhor de sempre, deu-me a oportunidade única de viver na prática que é possível existir amor entre as vários tribos humanas. Hoje que abano a cabeça e mordo de raiva os lábios ao ver as imagens da festa que se fez na Grécia, sei que acordei de um sonho. Mas mesmo esse acordar foi de festa, não foi um acordar para um regresso ao negro fado brutal. A derrota de domingo foi triste mas o que aconteceu antes e depois quase que consegue dissipar a frustração de neste momento saber a cruel verdade: não somos campeões.

O domingo da nossa e da minha derrota, um domingo que podia ter sido o da explosão nacional, começou com as pinturas de guerra, o vestir das fardas oficiais para a última batalha. Multidão de gente confiante, colorida, cantando, despida, envergando pátrias de sorrisos. Um jogo que começou a revelar-se sufocante. Um golo que não se viu quando se pedia uma imperial. Um golo que foi o primeiro beliscar. A dor de cabeça por puxar pela equipa até ao fim. E o apito final. Um apito silencioso. Um país resignado. Desiludido. Fui à janela do bar e olhei para a multidão que olhava os vários ecrãs gigantes. Lembrei-me do meu pai que chorou quando o Benfica perdeu a final para o P.S.V. Lembrei-me do meu pai que me acordou numa madrugada para ir ver o Carlos Lopes ou a Rosa Mota ganhar a maratona. Lembrei-me dos milhares de portugueses que neste momento estão a viver uma vida sócio-económica de merda e tanta vontade de mudar e de ganhar projectaram nesta selecção. Lembrei-me do inglês que se abraçou a mim a chorar no final dos quartos de final. Lembrei-me dos meus putos lobitos para quem ainda perder não é muito significativo mas custa. Lembrei-me daqueles dias de Setembro de 99 em que andei nas manifestações pela libertação de Timor, em que de tão longe nos tinham tanta gratidão e carinho, em que dias antes desta final nos comoveram ao beijarem as nossas bandeiras do outro lado do planeta. Lembrei-me que a vida não é o argumento que escrevemos, que os bolos quase nunca têm cerejas. Que também acordamos. Depois chorei.

Mas desta vez tivemos orgulho, saímos para a rua novamente de vermelho e verde. Antes de chegar ao Marquês entristeci-me com a nossa cidade, o nosso mundo que tinha planeado tanto a festa e que agora estava ali na rua gritando pelo país. Num sinal vermelho apaixonei-me por umas raparigas que pararam o carro ao pé do nosso apitaram. Quando virei a cara para ver quem era, disseram para não ficar triste, que não valia a pena, que devia estar feliz e orgulhoso porque tinha uma cara bonita e porque era português. Sincero ou não, nunca um elogio de um estranho me soubera tão bem. Agradeci e sorri. Perguntaram-me o nome, arrancaram e nunca mais as vi. Ainda por cima eram bonitas.
No Marquês, a festa com os estranhos que iam aparecendo e falando connosco. A bandeira gigante comovente que alguém ergueu. Depois, na Avenida da Liberdade, os gregos que nos iam abraçando e agradecendo pelo país, pela hospitalidade, respondendo com “bravô” quando lhes gritávamos “sihcaritiria”. Tempo para avisar um grego que havia sítios mais baratos que a “Brasileira” e que o nosso Fernando Pessoa foi mais genial que o seu Homero. Então, um Bairro Alto de gentes boémias, cantando Portugal. Brasileiros levantando o nosso astral fazendo rimas, uma guitarra já rouca a cantar Zeca Afonso, canadianos de descendência indiana, que nunca tinham estado num país de “arquitectura, de comida e de gentes tão fascinante”. Mais tarde acabar a noite sentado no chão a beber e a falar de tudo e de nada. Rindo nas ruas, com amigos. Até que um grupo de Japoneses (um com uma camisola do Benfica!!!) chega e lhes começo a gritar pelo Tsubasa. Vêm a correr para mim e começamos a cantar a música desses míticos desenhos animados que demoravam 10 episódios para se marcar um golo. Tempo para discutir o papel do Hentai e da ejaculação facial inventada em terras nipónicas, para agradecer pela invenção do Nintendo (a minha maior alegria quando passei para o quinto ano). E depois um momento que nunca esquecerei, o de quando mencionei o Sangoku e quando tive a oportunidade única de fazer a “Fuuuu zããããoo” com um deles, que fingia transformar-se em Super Guerreiro. Abraçaram-se a mim dizendo que eu era um “ámigo, ámigo” e despedimo-nos gritando por esse astro mundial, Tsubasa, também conhecido por Oliver Benji.

A noite acabou e se tivéssemos um Tsubasa na nossa selecção nem tinha acabado. Bem vendo as coisas o Euro foi como esses desenhos animados: jogos de qualificação em que guarda-redes tiram as luvas para defender penalties decisivos, pontapés canhão de fora de área transformados em golos de jogadores suplentes, treinadores generais paternais incentivadores da audácia e da vontade de ganhar, público que até anda de bote e de corsel para acompanhar a sua equipa. Perder no final contra os maus que não jogam nada e fazem anti jogo e marcam um golo contra a corrente do jogo. O que vale é que há sempre mais episódios. O próximo chama-se Atenas.

Agora que os jornais de ontem são o lixo de hoje, em que o país está atirado aos lobisomens de bons modos urgentes em caçar o poder, em que se limpam as praças, se desmontam as festividades, se apanham as canas, posso dizer, ainda com alguma incredulidade, que a taça não é mesmo nossa. Porém, o mundo é. G.F.

Embriagai-vos

Numa dessas ruas do Bairro a que vamos dar sem saber como, um cartaz que simplesmente dizia o seguinte:

«Embriagai-vos. Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para não sentir o horrível fardo do tempo que vos esmaga os vossos ombros e os faz prender para terra, deveis embriagar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de poesia, de virtude, (“ou de futebol”, escrito a marcador), à vossa escolha. Mas embriagai-vos.» Charles Boudelaire

quinta-feira, julho 01, 2004

Vivendo o Euro2004 V - a 90 minutos da glória.

Esta noite não há palavras, as imagens do povo feliz nas ruas descreve tudo o que sinto, o que sentimos. Estamos na final. Estamos nas bocas do mundo. Hoje renascemos. Venha o esplendor da final. Sempre te Amei Portugal. G.F.






PARA NÓS...