Mais tarde do que cedo reaparece
na tua mesa de cabeceira uma folha desbranqueada que caiu de uma das estantes.
Esse quadrilátero traz algumas ideias caligrafadas a carvão e agora ressuscitadas.
Antes dizer algumas tiranias do dever : “ ler mais”, “correr mais”(riscada) “correr
”, “comer menos” (mal apagada), “comer melhor ”, “agradecer”, “dizer que os amo”
(sublinhada), “fazê-la feliz”, “acordar relativamente cedo”, “aparar a barba”, “permanecer
não mais que o tempo suficiente em lugares desoladores”, “voltar a marcar golos”,
“esquecer os problemas dos outros”, “encontrar soluções para ti”, “poupar
dinheiro para hipotética viagem a Marte”, “gastar menos” (tracinho me
acrescentado), “cortar as unhas” “afiar o…. (imperceptível), “jogar à cabra
cega sem ser mais um bullie que escarniza a cabra”, “dormir mais uma vez ao
relento no Prato della Valle”, “dormir mais uma vez na cama do meu quarto de
sempre”, “procurar o cartão de sócio”, “fazer menos associações livres de
ideias”, “visitar a minha Avó” (tinta esbatida, molhada), “voltar a rir”, “dizer
basta”, “prolongares-te no que é bom”, “atestar o carro”, “esvaziar o caixote-anão
de lixo que está no quarto”,” dançar longe”, “dançar perto”, “moderar as boas
expressões”, “poupar para presentes das bodas”, “desejar casar”, “navegar só”, “vice-versa", "embasbacar-me". (a caneta de filtro vermelha molin)
Mais cedo do que tarde tentas
compreender estas listas, quem as fez durante o sono, porque vem uma atrás da
outra, porque preferiste escolhê-las. Puta da lógica sempre querer promiscuir-se
entre os honestos senhores caos da bela mente. Claro que foste tu que as
escreveste mas a amnésia torna tudo mítico. Quem te narra a lista sebastianista
torna-se um ente fabuloso em discurso voz-off cavernoso de um vulgar trailer de
Hollywood. Vem de capa, emergindo de um smog snob por ti plantado. Só que
ninguém é fabuloso, nem as raposas, nem os corvos nem tampouco La Fontaine.
Esta e outras listas são só, serão sempre apenas, papeis. Vocábulos-gatilhos,
enquanto continuares a preferir não as disparar para ti ou para o pequeno
mundo.
Preferiste quase sempre estar só
ali em romarias industrializadas. E preferiste desaparecer em combates de erotismo
plastificado, preferiste ancorar-te a um punhado de boas mentiras bem cerzidas
sobre aquilo que te é tradicional e seguro. Preferiste ser a Suíça da Grande
Guerra do teu coração mondado. Tudo isso foi preferires não o fazer. E não
precisas, não tens de preferir isso. Podes sempre escolher nem chegares a
preferir listas. Ir logo aos checkouts. Ir ao impulso das outras praças, outras vidas, outros lábios, outros
vinhos, outros deuses desalmados. Podes descalçar à socapa os Loubutin à Morte, desafinar os seus fados. Dançar o Tango
a um, a três, a mil. E se te deixares incompreender todas aquelas coisas
estranhas cozinhadas numa panela de pressão a pavor e te imaginares a terminar a
tarde como um poema? Adormeceres sem listas. Adormeceres desalistado de todos
os exércitos amorais que te esticam a corda. Sem escreveres mais. Seres só eu e
eu ser tu, só bonitos. Nem mais cedo, nem
mais tarde. Sem precisarmos de preferências, de nos pré-ferirmos a todos?
Gonçalo Fontes
Sem comentários:
Enviar um comentário