domingo, abril 03, 2011

Febre

Paredes de cidades mal abandonadas diziam-te que tinhas de te perder. Esquinas riscadas que resolveste virar num final de noite de verão. Na pele, trazes 37 graus. Caminhas de vestido negro, novo corte de cabelo, saltos e suas. Gostas de suar mas sobre caminhos não tens a certeza. Encontras meia multidão e escassa luz âmbar. Escondes-te na música: na pele trazes 38 graus. Libertas outro botão. Há outras peles vestidas que passam por ti, estranhas, há agora 39 graus de desejo. Qualquer um poderia tornar-se o teu marginal, rasgar-te já as fronteiras, mas hoje danças e esperas. Existem olhos em ti, pensamentos que te tocam e te limpam o suor e desapertam outro botão, te levam para quartos desta cidade bem abandonada e te fodem repetidamente. Mas tu tens os olhos fechados, mudando-te no espaço, alma entregue a uma evasão. Corpo aguardando invasão. Há gentes a acender fogueiras noutras áreas da cidade. Essas gentes a arder tornam tudo mais quente. És ainda mais inferno. Satisfaz-te a insatisfação de não teres já o que queres. É cedo. És equador do mundo forasteiro que se cola em ti. Há céu, som, fúria. Há um apetite de entrega guardado para quando tiveres mesmo de abrir os olhos. Sentes outro corpo. Este diferente e a tua carne macia revolta-se porque sabe que quer ser tomada. A tua pele mente, finge não trazer agora 40 graus que te acariciam e te sufocam na mesma medida. Finge não querer água, cuspo, sobre ti, finge não querer uma língua que te percorra a sede. Finge que não quer continuação. Controlas: novo corte de cabelo, vestido negro, saltos, mas suas. Limpas o pescoço ao mesmo tempo que o outro corpo quase te diz “olá” e pergunta ao ouvido, “ porque estás aqui?”. Tu respondes, “não precisamos de perguntas hoje” e danças. Com um propósito, danças ainda só para o outro corpo, para contagiares o outro corpo de Inferno. E continuas até que te pedes mais espaço, outro espaço. G.F.

2 comentários:

hugo disse...

Muito bom! Já tinha saudades de passar aqui! Grande Abraço!

Anónimo disse...

« A tua pele mente, finge não trazer agora 40 graus que te acariciam e te sufocam na mesma medida. Finge não querer água, cuspo, sobre ti, finge não querer uma língua que te percorra a sede. Finge que não quer continuação. » são máscaras de personalidade, o que lhe a deixa descoordenada?
gostei do texto!