sábado, abril 02, 2011

Juliana

A  Juliana é uma menina de 9 anos que usa uma fita para o cabelo mais bonita de que todas as outras fitas para o cabelo de todas as miúdas que já conheci. A sua bochecha esquerda foi arranhada pelo Farturas, o ” seu gato maluquinho” e o seu olhar sereno insuspeito não denúncia as suas profundas inquietações existenciais infantis. A Juliana tem medo que o mundo termine amanhã e embora sorria e perceba que isso possa ser parvo, a verdade é que ela viu nas notícias os chineses radioactivos, as bombas por causa de um coronel Gandalfi e, desde há muito, a crise… a crise. A Juliana não sabe o que é a crise mas tem medo que a mãe amanhã não tenha dinheiro para comprar chocapic, que o pai tenha de ir para a tropa lutar contra os maus e tem sobretudo medo de já não acordar todos os dias a começar a partir de amanhã quando os pais a chamarem para tomar o pequeno almoço. O primo mais velho, o Tito, disse-lhe que o mundo acabava em 2012 e a Juliana agora sonha com diferentes fins de mundos todas as noites. Na última vez sonhou com um terramoto que partia as pessoas ao meio, em peças e as peças andavam todas desarrumadas e tristes. A Juliana não gosta, nem quer falar dos seus problemas, pensa que quanto mais falar deles mais eles podem acontecer e tenta esquecer em todos os minutos, os seus pensamentos “mais maus”.

Ontem falávamos sobre esses problemas e pedi-lhe que escrevesse numa folha de papel: “O Mundo vai acabar amanhã.” A Juliana, com a caligrafia mais bonita do que todas as outras miúdas que conheci, assim o fez, devagar e sem qualquer erro. Pedi-lhe que apagasse com uma borracha pequenina  verde que nos dizia “Jul” sumidamente e ela apagou uma a uma cada letrinha.  A Juliana não estava a perceber porque é que lhe tinha pedido para apagar e na verdade nem eu próprio sabia se aquilo iria resultar. Talvez a minha metáfora não fosse a dela e isso ainda viesse a confundir mais a Juliana. Contudo, expliquei-lhe que às vezes as pessoas têm muitos problemas e pensam que se os esquecerem livram-se deles e eles acabarão por desaparecer. A Juliana disse que sim que o seu problema é que o mundo não podia acabar mesmo amanhã, porque ela ainda queria ir ajudar a tratar de animais ou então ser professora de meninos com problemas,” mais ou menos como eu, mas ainda mais fixe”. Disse-me que todos os dias pensava nesse problema e que tentava apaga-lo como fez com a borracha mas dentro da cabeça. Eu pedi à Juliana que olhasse para o papel e me dissesse o que via. Ela logo respondeu “ainda dá para ler”: “Eu apaguei e ainda dá para ler, este problema  não fugiu!” Em algumas alturas da nossa vida ou do nosso dia longo de crianças, temos de parar para perceber que se tentamos apagar sempre alguns problemas sem os tentar resolver podemos estar a dar-lhe mais poderes. Os problemas ficam apagados só um pouquinho mas conseguimos quase sempre lê-los. Por isso talvez seja mais fixe, pegar nesse problema e tentar perceber se é mesmo um problema e se podemos resolvê-lo, trocar-lhe as tintas, dar-lhes a volta, atar-lhes os atacadores um ao outro para eles caírem. Às vezes a solução viaja num pequeno pormenor.

 Depois destas minhas palavras pedi  à Juliana que escrevesse novamente “O mundo vai acabar amanhã.” Perguntei-lhe se havia alguma coisa na frase que ela pudesse alterar e que pudesse ajudar a estar menos preocupada. Demorou um minuto, concentrada a olhar para os restos do que tinha escrito. Então, pegou no lápis pequenino e roído e, com muita calma e com um sorriso matreiro, desenhou por cima do ponto final um ponto de interrogação mais bonito do que todos os pontos de interrogação desenhados por todas as miúdas que já conheci. E a seguir escreveu: “Talvez, mas vai ser quando eu for muito velhinha”. G.F.

3 comentários:

Anónimo disse...

A Juliana é uma miúda muito fixe. É duplamente fixe porque esta a aprender a escolher e isso é uma coisa tão difícil. É uma miúda muito fixe porque experiencia a pontuação, sem a tua ajuda, como algo que lhe é autêntico e até antigo. Dá-te informações sempre correctas e até por vezes ásperas de tão autênticas que são, para que tu, com as tuas cotoveladas (calculo que firmes e delicadas), a ajudes a crescer e a continuar a escolher. A Juliana é uma miúda muito fixe e a vai crescer. E tu?

Ana Si disse...

perfeito! organizas as cabeças do mundo. e a tua "fontes" da minha inspiração? :P

"bora lá"?!

Anónimo disse...

adorei como a Juliana solucionou o problema!