…respostas, críticas, crónicas, verdades infundadas, teorias, encontros, paródias, conspirações, chalaças, ramboiadas, lágrimas, venenos, gentes, vícios, valores, palavras, perguntas, solidões, comunhões, fobias, frenias, neopatologias, actualidades, mundialidades, portugalidades. Ou só insignificâncias…
domingo, julho 18, 2004
Ultimacto
A primeira e provavelmente única e última peça de Teatro em que participo estreou na quarta-feira, dia 14 de Julho, pelas 21h30. Foi o culminar de 3 anos de tentativas para iniciar um projecto de Teatro amador, académico, com estudantes da minha faculdade. Com pessoas que partilhassem o mesmo amor pelo Teatro, essa urgência em pisar a madeira sob as ribaltas e tentar que alguém seja tocado. Pelo esboço de um sorriso, por uma ponte com algum momento seu.
Não querendo (mas fazendo) uma retrospectiva, relembro-me agora de quando não tinha literalmente nada. Nem actores, nem textos, nem dinheiro, nem encenadora. Só vontade. Um ano que éramos 6 e desistiram 5, outro ano em que nos tornámos mais e vivendo de improvisos. A experiência pessoal na tentativa de produção da peça com a ajuda do encenador americano Harvey Grossmann O falhar de todo esse projecto. Os improvisos e os imprevistos. A incerteza em continuar o projecto.
Então, num anfiteatro perto de nós, o meu amigo Francisco ousou dizer aos caloiros, no início deste ano lectivo, que o grupo de Teatro estava já estabelecido e «corria lindamente», as inscrições eram feitas comigo. As gargalhadas desencadeadas depois de olharem para mim demonstram um pouco a deriva em que se encontrava este projecto. Mas isso renovou forças para começar novamente, pelo menos as de colar um papel ordinário na porta do bar. Apareceram muitos e desapareceram muitos. Tal como em qualquer grupo, a força faz-se de quem continua e no dia 14, em palco, ali estávamos os últimos 8 sobreviventes. 8 colegas e a encenadora, a Ana. Ela foi essencial para a formação do grupo, para a motivação, para a organização. Foi a chave que permitiu abrir as portas do nosso desejo de representar. Tudo o que mais posso dizer em relação a ela resume-se a uma palavra simples: gratidão.
Com a Ana Lacerda, fomos descobrindo as nossas limitações, os nossos talentos que julgávamos não existir. Com ela aprendi que ser-se actor é muito mais difícil do que mesmo os que vão frequentemente ao teatro pensam. Descobri que, felizmente ou infelizmente, não é isto que quero fazer da vida. Que é preciso ter um talento, uma sensibilidade e uma entrega que ainda não tenho, que não existe, como eu gostaria, em mim. Que as pausas, os silêncios, o ritmo, as colocações de voz e de corpo, as intenções, o conflito, os olhares têm de ser trabalhados, esculpidos. Que a arte teatral não é estática e se molda a cada espectáculo, a cada público, a cada vivência. Que é imensamente difícil darmo-nos aos outros sendo outro e fazendo com que ninguém descubra que estamos a ser nós fazendo desse outro.
Aprendi a dar muito mais valor a quem faz Teatro, a amar ainda mais grandes papéis em palco ou nos cinemas. Percebi que os grandes actores, as grandes actrizes, são gente inumana. Descobrir isto é como se tivesse descoberto Deus ao mesmo tempo que encontrava a minha mortalidade igual à de tantos outros. Se já amava o Teatro agora talvez sinta uma qualquer outra expressão que conceptualize algo maior que esse verbo.
É mesmo muito bonito saber que numa altura da nossa juventude um cartaz feito por nós, com as nossas pernas, os nossos nomes, a nossa peça, inundam as esquinas da cidade do Tejo, as paredes dos bares do Bairro Alto, as portas dos edifícios públicos e provavelmente algum muro arruinado entre anúncios de aparelhos de rádio e de detergente. È bonito chegarmos aqui sem medo de sermos uma grande merda, de temos arriscado e exposto porque foi o sonho que sempre quisemos tocar.
Agora que estou prestes a partir ai num aeroporto que sempre foi o lar da minha esperança de fuga, continuo a acreditar nos homens e nas mulheres que vão colando os seus cartazes e reinventando-se com essa urgência que existe num país cada vez mais estagnado, com barricadas burocráticas, políticas, educacionais, onde pode ser instável e muito caro exercer-se democracia. Continuarei a ouvir essas gentes que no meio dos “normaiszinhos” se vão amando e nos amando. G.F.
P.S. Aproveitando a publicidade deste blogue e como não sei publicar imagens que não estejam já em algum site, deixo aqui:
«Com carácter de urgência»
Direcção de Ana Lacerda
Assistência de Joana Moleiro
Produção, Gonçalo Fontes
Textos de Daniel Filipe, Tiago Lila e Rosa Esteves
Músicas de amor em cds pirata
Com Carolina Abreu, Estela Ricardo, Gonçalo Fontes, Rita Rodrigues, Rosa Esteves, Rui Santos, Sofia Mendes e Tiago Lila
AINDA DIAS 21, 22 E 23 DE JULHO – 21H30 – ENTRADA LIVRE – AUDITÓRIO DA CANTINA VELHA – CIDADE UNIVERSITÁRIA – RESERVAS 916163069
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