Pergunto-me se algum psicólogo, psiquiatra, médico, bruxo, professor Karamba, deputado, Felícia Cabrito, já terá investigado um escândalo que pode ter traumatizado toda uma geração. Falo das músicas infantis que todos ouvimos quando éramos petizes. Ok, « são letras para os miúdos eles, não percebem, cantam por cantar». Mas isto é tudo uma cabala dos que tentaram por à rasca todos os que tivemos a sorte ou o azar de ter nascido na década de 80. Eu sofri, e penso não ter sido o único. Sei que o facto da mãe do Marco ter morrido ou ter fugido para a Argentina marcou traumaticamente muita criançada mas o meu caso é mais perturbador. Tem a ver com uma bola e com um infanto suicida chamado Manel.
Lembro-me daquele fatídico dia em que comprei uma bola de basquet no Centro Comercial Fonte Nova. Não era uma bola oficial mas oficiosamente eu nesse dia já era o Magic Johnson ou o Larry Bird. Nem bater a bola sabia, e talvez por isso a deixei que ma roubassem enquanto olhava para uma montra com gelados. No mesmo dia, a primeira bola de basquet, o primeiro roubo, a primeira grande injustiça. Lembro-me de ter berrado ao colo da minha mãe, chorado, libertado todo o verde das minhas entranhas. Fiquei sem algo que nunca tinha tido e sempre desejado, uma bola. Era por demais injusto. Voltei para casa desconsolado e eis que o drama, a tragédia se adensa… A minha mãe põe uma cassete “Portugal dos Pequeninos” para me animar. E a primeira música, “Olha a bola Manel”…
Não sei se me está a ler caro Reitor, José Barata Moura, mas e letra que escreveu transformou num inferno uma das piores tardes da minha vida. Ouvir 10 ou 15 vezes um refrão «Olha a bola Manel/olha a bola Manel/nunca mais ninguém a viu/olha a bola Manel, foi-se embora fugiu» e o final «O Manel tinha uma bola/mas agora não tem não/E a gente a ver se o consola/vai cantar esta canção » é de um sadismo exacerbado. E ali ficam a cantar tristemente para o Manel, dizendo-lhe que olhe a bola que está a fugir, que está a partir, qual Leonardo Di Caprio congelado a beira de um Titanic. Ao menos a canção não é cantada em tom de escárnio, aí sim, ter-me-ia estrangulado com o fio do pião.
Mas e se por acaso eu tivesse comprado um balão enchido com hélio e o tivesse largado? Acho que a todos os putos já aconteceu isso. A mim sim, inúmeras vezes. Porém tive a sorte de ter chegado a casa e ouvir novamente o “Olha a Bola Manel” e reconfortar-me com a desgraça dos outros. Porque se tivesse ouvido «O balão do João/sobe sobe pelo ar/fica então o João a choramingar» hoje estaria internado.
Quantos Maneis e Joões haverão por esse país fora, vítimas de meia dúzia de autores perversos. Não me venham dizer que as letras infantis são de todo moralistas e educativas. Eu acho que ninguém anda a atirar paus a gatos até eles morrerem. Ninguém acha seguro um puto sentar-se numa chaminé e chorar e gritar com a picada da merda de uma pulguita. Não andam, que eu saiba, miúdos a fazer rodas com machadinhas na mão a gritar “quem te pôs a mão”? Pronto, eu perdi a inocência, é verdade, mas qualquer puto de 6, 7 anos já tem maturidade para se entristecer com um papagaio de bico amarelo que faz xixi na cama e como castigo é espancado com um chinelo ou se realmente partir uma cantarinha quando for à fonte vai ter de se por de joelhos e pedir que a mãe não a espanque por ser pequenina. Há ainda a Linda Falua em que obrigatoriamente a mãe tem de se separar dos filhos. Se não for ela a ficar com o Senhor Barqueiro (que raio de metáfora subversiva será esta?) tem de deixar um dos filhos, ainda por cima o último, por não os poder sustentar.
Quem são os loucos, os mafiosos, os pervertidos, sádicos, diria mesmo os monstros que pensaram que as crianças não sentem as letras que cantam? A S.P.A. saberá disto? Espero que a justiça seja feita e tu Manel, espero que um dia possas dar ao teu filho a bola que não pudeste ter. G.F.
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