Andava há tempos para escrever sobre esta estória pequena cuja lição me serve para as alturas em que invariavelmente subavalio as capacidades de algumas pessoas que vou conhecendo ao longo da vida, devido a preconceitos que não gostava de ter mas que todos temos (mesmo que prescritivamente não o assumamos). Penso nela muitas vezes. Não só devido à pequena lição mas sobretudo devido ao pequeno momento de simplicidade e de beleza que surgiu onde menos esperava: no metropolitano de Lisboa. A beleza em sítios onde a menos suspeito sempre me fascinou.
Mesmo que a verdade deste relato não tenha, para quem me estiver a ler, nada de especial, o que é certo é que para as pessoas que estavam naquela carruagem, aquele momento deve ser ainda hoje lembrado com um sorriso. È com base na possibilidade remota que alguma dessas pessoas esteja a ler, que escrevo este post. E já agora, escrevo também para aquelas que compreenderem o porquê dessa contemplação.
Aconteceu em meados de Abril. Tinha acabado as aulas e dirigia-me ao Chiado pela Linha Amarela. Não me lembro em que estação entrou aquela senhora grávida, jovem, muito bonita, com uma barriga enorme. Lembro-me de ter pensado para comigo porque é que teria de viajar de metro, aquela grávida, aquela hora. Um senhor levantou-se para a deixar sentar e saiu na estação seguinte. Enquanto tentava estupidamente descobrir algum sintoma de infelicidade na grávida pelo facto de estar a andar de metro, reparei que sorria com esperança ao olhar o vidro, e reparei noutra pessoa que se dirigia para um lugar deixado à sua frente. Era um homem aparentemente com 30 anos, mongolóide, Síndrome de Down, com o sorriso característico, camisola de lã por baixo de um sobretudo mal apertado e sujo. Nos pés umas sandálias velhas. Com a língua de fora e a cabeça a fazer movimentos repetitivos, caminhou e sentou-se frente a frente com a senhora que sorria a si mesma no espelho em velocidade pelos túneis escuros das entranhas de Lisboa.
Depois, depois aconteceu uma prova do amor, que nós ditos normais, nunca saberemos transmitir com tanta espontaneidade, com tanta natural abertura, com tanta honestidade terna, com tanta doçura como a daquele sorriso e a voz tão terna como a daquele rapaz mongolóide, naquele dia, naquela carruagem. Olhou-a, baixou os olhos em direcção à barriga e sorriu. A senhora sorriu retribuindo a simpatia. Esteve uns momentos pensativo e então, sem receio de estar a falar com uma estranha, sem pensar na reacção do resto dos passageiros, disse arrastando a voz enrolada devido à sua fortuna genética “ Tem muita sorte. Vai nascer na Primavera. Vai ser muito lindo como a mãe”. Levantou-se ao mesmo tempo que a senhora agradecia e saiu na outra estação dizendo “Parabéns”, sempre a sorrir. A senhora disse novamente obrigado e todos os que estávamos naquela carruagem agradecemos, embasbacados, calados, cada um à sua maneira… G.F.C.
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