segunda-feira, junho 04, 2012

golos limpos


               Estou a vê-los a todos. São sete e não têm mais que 12 anos. Acabaram de assaltar os putos de um bairro rival. Estão em tronco nu, trazem turbantes improvisados do Liverpool , do Barcelona e do Benfica. Estes marajás de palmo e meio soltam gargalhadas. O mais alto vai à frente, esforçado e de olhar perpendicular ao asfalto onde quase deslizam ao marchar vagarosamente com os seus nikes e adidas esburacados nas biqueiras de tantas bujas. Um segundo garoto segura uma beata mal fumada com a mão suja direita. Na esquerda finge suportar, tal como os outros o produto da gatunagem juvenil desta tarde de sol junino. Ao longe, consigo ouvir-lhes os risos, “os foda-se” e as preocupações. O ruivo das favolas diz “que isto ainda vai dar merda”. Trazem o seu  furto aos ombros estes peregrinos adolescentes, gatunos em procissão estival. Cruzam os prédios de subúrbio arruinado e às janelas há aprovações anciãs em sorrisos desdentados. Cheiram a orgulho, o seu andor é mais importante que qualquer taça do mundo. O seu crime o mais desculpável. Não cantam mas um dos telemóveis solta um kuduro chinês. O mais pequeno, que nem chega onde os outros carregam, improvisa uma dança, celebração ao troféu roubado, trocando os olhos à vizinha do quinto andar. O Sr. Albino pergunta se precisam de ajuda. Hoje não querem  nenhuma. Têm tudo o que precisam.
                Estou a vê-los aos sete, ao longe, à esquerda desta avenida sem nome de ninguém famoso. Ainda oiço a sua algazarra, mas já não os distingo. Não sei se são uma massa humana mascarada de formigas ou metamorfose de lagartas locomotivas em crianças de rua. Sete reguilas bons ladrões num final de tarde de bairro, de  “u” em ferro às costas, planando na ladeira dos caixotes vandalizados e dos sofás vagabundos sem dono. Sinto que o ruivo das favolas tem razão mas, por algumas horas, no ringue improvisado do nosso bairro, ninguém vai discutir se a bola bateria no poste ou não. Vão ser apontados golos antológicos, inimputáveis e legais e que o dono da bola não poderá mesquinhamente invalidar. 
              Sim puto, pode haver recargas e represálias da equipa visitada. Prolongamentos - vendeta não desejados. Mas essa baliza roubada e pesada que vocês trazem aos ombros já é uma das vossas histórias de vida comum e essa alegria nestes inícios de noite quente de verão, essa memória de alegria meus putos, já ninguém vos pode ilegalizar. Gonçalo Fontes