domingo, abril 03, 2011

Fu Min Chu

Fu Min Chu, era um artista marcial reformado que arrendava um T2 na Rua da Amargura. Partilhava com o seu canário estórias do arco da velha, relatos de um passado glamoroso a distribuir dupla patadas com sabor a Balanchine.  Sua vida era agora menos bela e sobretudo feita em função de cuidar de mazelas do foro cervical. Fu Min Chu, não tinha jeito para o negócio barato, aptidões especiais para confeccionar chopesóis nem tão pouco era provido de  dedos delicados para espetar agulhas esterilizadas em pontos nevrálgicos de corpos estranhos. Fu Min Chu era um artista marcial resignado em crise de terceira idade. Admirava filmes de Hong Kong, sobretudo grandes xaropadas dos anos 70. À noite, escrevia poemas de amor em língua portuguesa oriental cuja ternura era quase sempre omissa e cada palavra cheirava a sokutos. Para alguém a quem o dia-a-dia e a noite-a-noite, se tinham resumido a sexo, arte e luta, esta nova década era apenas mais do mesmo: alentos fora, nada. O seu último poema “Estúpidos Cupidos” falava-nos exactamente sobre isso.  Fu Min Chu era um artista marcial late-night-filósofo. Mágoa e ódio inspiravam-lhes as teses conspirativas, inundavam-lhe as palavras cruzadas, rebentavam-lhe as costuras dos sonetos amadores. Quis a vida que me cruzasse com Fu Min Chu em circunstâncias inusitadas num Mini Preço de bairro, enquanto Fu Min Chu roubava um frasco de compota. Fu Min Chu, trazia uma T-Shirt que dizia “A cauda abana o cão”. Fu Min Chu, o artista marcial a RSI que me confidenciou ser o maior insurrecto imigrante chinês da actualidade e na clandestinidade. Verdade ou mentira, até hoje ainda ninguém lhe dedicou um departamento. Ainda não percebo porquê. G.F.

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