sexta-feira, janeiro 23, 2009

grace


Quando tinha 7 anos aprendi a canção “Amazing Grace”. Em pequeno, lembro me muitas vezes de me emocionar também com a beleza de algumas coisas. Na maioria das vezes quando estas me traziam ideias ainda muito vagas de liberdade, justiça e fraternidade. Sentia-me ao mesmo tempo muito triste, mas ao mesmo tempo muito feliz. Acho que foi assim que comecei a perceber o que era a esperança. Ao ensinarem-me o que significava a letra, emocionei-me. Ainda não percebia bem o que era a escravatura, mas acho que fiquei feliz por perceber que a música podia libertar e mais que isso que a poesia nos podia fazer acreditar. Hoje é dia 20 de Janeiro de 2009 e volto a ouvir a mesma canção. Hoje muito mais emocionado que ontem. Emocionado também como tu por ter testemunhado um dia histórico para a humanidade mas mais por perceber que ainda continuo a emocionar-me com a fé na esperança de uma mudança para melhor. Emocionado por acreditar em todos estes clichés que muitos outros quiseram continuar a senti-los apenas como clichés. Emocionado por sentir que é possível unir-nos. É verdade que à medida que envelheço vou perdendo alguma fé, também me vou desacreditando que os outros mantenham a coragem de ser boa gente. Também vou pensando nas conspirações, congeminações, nos lobbys, nas arrogâncias e no egocentrismo dos líderes. Mesmo que me estejam a enganar, hoje, tal como os meus amigos americanos, emociono-me. Porque volto a ter Fé não no Messias, mas em que é possível viver num mundo menos liderado por babuínos. Talvez agora os preconceituosos de sempre recomecem a ter respeito pelos americanos que não quiseram viver o pesadelo em que o mundo se tornou nos últimos 8 anos. Os preconceituosos hipócritas são esses, sósias dos outros que por duas vezes optaram por fazer regredir o mundo. São esses e estes que criticam os americanos por serem os polícias do mundo mas foram esses os primeiros a exigir a sua presença em Timor. Esses que os apelidam de paladinos da destruição da cultura familiar, cultivadores do ódio nas crianças, mas aprenderam as primeiras noções de democracia, de família, de igualdade, amor, através dos filmes infantis da Disney. Esses que criticam a América pela sua ignorância em relação ao Planeta mas nem eles próprios sabem dizer mais que 10 capitais dos países pertencentes à União Europeia. Esses próprios que desconhecem quando foi a Revolução Francesa, quem é Voltaire, o que foi o Iluminismo, ou como é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esses, acredito, hoje são menos. Hoje alguns desses começaram a olhar de outra forma para os Estados Unidos. Corrompidos pelas amarguras ainda? Sim. À espera que tudo se torne como dantes, para confirmar confortavelmente as suas expectativas mais pessimistas? Certamente. Mas hoje talvez hoje também alguns emocionados. Talvez se esqueçam que isto é tudo marketing ou talvez hoje abandonem as teorias de que na vida não existe poesia, existem apenas manobras de engate e coros manhosos com menor ou maior Q.I., propagandas egocêntricas em lógicas de ganho, de lucro, de superação. Talvez estes também se esqueçam, pelo menos hoje, que há pessoas que se juntam, que cantam, que rezam, que se abraçam, não porque tiveram a fumar umas, não porque são casais de swinguers hippies, não porque isso lhes fará propagar as suas redes sociais, mas sim porque, cantar com um estranho, rezar com um amigo, abraçar um vizinho nos faz sentir simplesmente muito melhor. Faz-nos sentir melhor, mais bonitos e mais fortes por sabermos que temos amparo, sem pensar que bonito, forte e amparo na mesma frase são panisgas expressões. Faz-nos acreditar que quando a crise estiver mesmo aí haverá abrigo. Faz-nos acreditar que quando outros quiserem apagar um povo inteiro de um mapa (como se isso apenas fosse mais um dia de brincadeiras com o GoogleEarth e o Photoshop) outros existirão a fazer frente, a romper a inércia e a desmascarar a ganância humana. Faz-nos acreditar que quando uns quiserem assustar-nos com o terror e subjugar-nos ao medo das intifadas, acenderão outros luzes e derrubarão os entraves dos labirintos mais angustiantes. Faz-nos acreditar que é possível existirem e continuarem a ser criadas estas canções de redenção e que serão elas também a darem-nos força e paz para a construção de um mundo novo, onde mundo novo seja um conceito demagógico apenas para os que não souberem usufruir dele, seja de facto um mundo melhor do que o que inesperadamente encontrámos no final do século passado, quando nascemos.


Quando tinha 7 anos eu ia acreditar muito mais em alguém que me dissesse o que acabei de escrever neste post ou que um dia seria possível ver descendentes de escravos, líderes de poderosos impérios mundiais. Quando “um dia” se torna “hoje” emociono-me tal como tu e não sei mesmo de que muitas outras coisas se poderão emocionar aqueles que hoje não sentiram esta esperança. G.F.

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