segunda-feira, julho 07, 2008

tulicreme


No dia em que descobri que os meus avós não eram imortais, doeu-me muito a cabeça. Achei muito estranho podermos desaparecer. Achei muito estranha a tirania de terem que desaparecer aqueles de quem mais gostamos. No dia em que descobri que os avós se podiam esquecer dos netos e dos seus filhos, mesmo sem desaparecerem, doeu-me muito a barriga. Achei muito estranho podermos perder a memória. Achei muito estranha a tirania de um dia deixarmos de nos lembrar de quem gostamos. Nesses dias deixei de ser criança por alguns momentos. Mas depois disseram-me que a vida não era assim tão dura ainda. Deram-me então torradas com tulicreme. Passou-me a fome e passou-me a angústia. Entretanto cresci. Na noite em que descobri que as namoradas podiam deixar de gostar de nós, doeu-me muito o coração. Achei muito estranho podermos deixar de amar. Achei muito estranha a tirania de um dia não termos vontade genuína de responder “eu também” e apenas sorrir. Na manhã seguinte quis comer outra vez torradas. Só a fome passou: o tulicreme já não sabia e já não sabe ao mesmo.

Depois passado uns anos, numa tarde de verão, deram-me um frasco de nutela e eu deixei de achar tudo estranho. Nesse dia voltei a ser criança por alguns momentos. Passou-me a angústia mas ainda fiquei com mais fome. Gastei frascos e frascos. A nutela continuou a saber ao mesmo. Se um dia os senhores do marketing mudarem o sabor da nutela, espero que alguém me ofereça uma coisa mesmo boa para barrar as torradas. G.F.

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