terça-feira, julho 11, 2006

campeões do mundo...



«Se Grosso segna siamo Campioni del Mondo!!………GOOOOOOOOOOL!!!!ABBIAMO VIINTOOOO IL CAMPIONATO DEL MONDO» Ao mesmo tempo que escrevo este post, oiço emocionado a retransmissão radiofónica italiana online. Oiço emocionado e revoltado. Aquela taça e este mundo deviam ser nossos. Devia ser nosso o explodir de alegria de toda uma alma lusitana naquele último segundo eterno da confirmação…

Já estava a imaginar: exclusivos do Marquês de Pombal para a CNN; jornais em hebraico e árabe unidos na mesma manchete «Portugal, Campeão do Mundo»; os rednecks no interior dos Estados Unidos a descobrirem um novo país no mundo; os PALOPS totalmente em festa; os iranianos a gritar “Figoooo”; Pyongyang a querer dialogar só com diplomatas portugueses; o puto do sobrevivente do tsunami, a gabar-se aos amigos “já tive com eles pá”; Emigrantes orgulhosos e venerados, desde o Canadá à Patagónia, desde a Noruega à África do Sul, Macau à Austrália; a bandeira nacional em tudo o que é imprensa e aquele pequeno recanto, uma semana inteira de festejos e consumos capaz de reduzir o défice económico a zero. Sim, o tal Quinto Império.

Fico emocionado e frustrado porque eram os meus amigos espalhados por todo o mundo que deveriam estar naquele momento a enviar-me mensagens, a congratular-nos pelo feito histórico alcançado. E não ser eu a ler, nas mesmas respostas repetidas às mensagens transalpinas, um «Abbiamo vintoo» acompanhado de lágrimas felizes que eu invejavelmente as tanto desejei para aquela noite passada de noite de domingo de Verão. Afinal foram eles que ganharam. Afinal foram eles que passaram a noite bêbados de vinho e embriagados de amor a uma pátria tão menos alicerçada e unida que a nossa. Afinal foram os meus amigos padovanos festejando no Pratto della Valle que, presenciaram um momento que só o futebol de um Campeonato do Mundo pode oferecer como experiência de vida a um povo. Não me contento porque os céus de todos os cantos do mundo deveriam ser tricolores sim, mas das cores da bandeira portuguesa.

Num jogo de sorte não há injustiças creio. Há sim culpados. Porque para a vida e para a morte, para as coincidências ou para o azar sempre julguei que a condição humana tem sempre inerente uma necessidade, diria epistemológica, de encontrar réus. Sinto que tivemos um grande líder, um general que soube como ninguém motivar as suas tropas e levar-nos onde raramente tínhamos chegado. Alguém com muita fé. Mas na minha opinião foi também a fé que nos levou mais longe e foi, no limite, exclusivamente a fé que não facilitou o realizar do sonho. Passo a explicar:
Não queria aqui repetir as velhas frivolidades sobre a necessidade de espírito de equipa ter primazia sobre as individualidades. O que é certo é que tivemos os jogadores que, quer individualmente, quer colectivamente, melhor praticaram o futebol neste Alemanha 2006. Ou através da sua componente técnica, com a imaginação e magia de Figo e Ronaldo e Deco, ou delineando uma excelente táctica defensiva em que destaco Ricardo Carvalho, Costinha e Petit. Tínhamos talento, temos prestigio. Já possuíamos jogadores capazes de ganhar taças da Uefa e Ligas dos Campeões. Precisávamos de alguém que nos desse mais que competências técnico-tacticas. Alguém que nos fizesse acreditar que por sermos pequenos não poderíamos deixar de sonhar em conquistar. Foi isso que fizeram os Lusitanos ao inventar a guerrilha contra as sucessivas invasões romanas, foi isso que nos fez sermos Portugueses e não membros de uma comunidade autónoma de Espanha, foi isso que nos permitiu dar Novos Mundos ao mundo. Isso admiro em Felipe Scolari. Só isso. A verdade é que quando chegou a altura de arriscar, de ser frio e mudar a estratégia do jogo, de apostar numa nova forma de ataque eficaz, que é determinante no vencer das batalhas mais difíceis, o nosso general não arriscou. Teve fé que as coisas poderiam mudar. Arriscaria mesmo a dizer que acreditou que Nossa Senhora provesse o Postiga, em mais um momento raro na sua vida, de talento ou que Maria do Caravaggio conseguisse pôr o Pauleta a repetir o que fez contra Angolas, Luxemburgos, Lichensteins e Polónias. Isto é ter engenho para, num sistema de jogo que em nada beneficia a sua arte, mudar o rumo da História. Pois Nossa Senhora não é só de Fátima ou do Caravaggio. A acreditar que tenha aparecido, no mínimo Ela também é Notre Damme de Paris e de Lourdes. Cometeria pecado se dissesse que nesse estádio onde é a fé do público que faz ganhar um jogo onde existem postes, bolas com efeito, avaliação a olho humano, Deus teria graves problemas de finalização. Se de facto, no mesmo momento em que Scolari rezava por Ricardo (que é sem dúvida o melhor do mundo a defender penalties e já Brassard também o era, sem ajuda de bíblias) houve pelo menos um francês a rezar com mais convicção pelo Zidane, (ou um argelino a rezar mais ardentemente para outro destinatário) nunca vamos conseguir averiguar.

[Talvez a melhor forma cientifica de se perceber a vantagem da fé deveria consistir mesmo na organização campeonato do mundo e tirar as teimas entre ferrenhos Cristãos, Muçulmanos, Judeus, Budistas e Hindus – quem ganhasse estaria provadíssimo que teria uma entidade divina mais forte, no limite a única existente?. Enfim, a fé, tal como a humanidade, terá estes pormenores ridículos deliciosos que nos vão fazendo estar bem sobrevividos. Já me estou a afastar do ponto que queria esclarecer. ]

Então para tristeza de toda a pátria portuguesa, Zidane marcou. O talento de um génio ou Nossa Senhora que não quis dar a alegria a Portugal porque são insondáveis os desígnios de Deus? Será Thuran um dos melhores defesas do mundo, decisivo no mundial ganho pela França, ou quis Deus escrever direito por linhas tortas? Talvez se tivéssemos ganho, deixaríamos de acreditar só Nele como garantia de vitória em jogos desportivos para acreditar mais no potencial físico e psicológico dos atletas. Se tivéssemos sido campeões deixaríamos de viver pelo Fado e tornarmo-nos independentes do Destino mas isso seria perder um pouco da nossa identidade. Foi bem pensado Deus.
Para nos massacrar mais, Ricardo quase que defendia. E quase que poderíamos ter ido lá aguentar o resultado. E quase que Figo poderia ter empatado, ele que já marcou tantos golos de cabeça… E quase que Ronaldo poderia ter centrado numa jogada de mestre e ele próprio finalizar de cabeça, ultrapassando o golo mítico de Deus Maradona contra a Inglaterra. E quase que o árbitro também poderia ter tido fé e acreditado que os constantes mergulhos intencionais foram mesmo falta…

Pois... Só que naquele jogo não ganharam os peregrinos, a legião de bandeiras e correntes do amor e força. Naquele jogo não ganharam aqueles que mais precisavam e que mais pediram pelo milagre de um dia tão pequeninos serem enormes campeões do mundo. Naquele jogo, no jogo contra a Alemanha e na derrota francesa final não ganhou quem constantemente atribui as culpas das derrotas a agentes externos ou de quem diz que nunca deixam os pequenos chegar onde querem. Aí, ganhou quem foi mais eficaz. Neste aspecto, os italianos souberam faze-lo melhor que qualquer equipa do mundial. Sem primas donas e sem futebol espectáculo, mas com uma equipa e um país que também se uniu como nós. Uma outra pátria de gentes tão iguais a nós que, depois da bola de Grosso entrar na imortalidade, hoje acredita que os milagres podem tornar-se realidade. E tenho a certeza que o acredita com muito mais força que nós. Afinal são eles que o estão a viver.

No fim de contas, foi o Cannavaro que cumpriu a promessa de dormir no hotel com a taça entre ele e o seu filho de sete anos. Afinal fomos nós que voltámos aos nossos pequenos quotidianos mal saboreados. Afinal são eles a quem o sonho ainda dura, enquanto o sol do dia de hoje vai evaporando aos poucos o perfume de uma noite que será recordada durante gerações. Afinal... Deus: esquece as minhas críticas, esquece estas palavras, obrigado pelo talento que Tu deste ao Figo, ao Ronaldo e a todos os outros jogadores. Afinal Deus, ou Nossa Senhora da Fé do Monte Abraão: tratem só de fazer com que eu esteja cá nessa noite de Verão em que sentiremos o perfume de nos sentirmos existir maiores que o universo. G.F.


e se não tivesse sido só ilusão óptica?

Sem comentários: