terça-feira, agosto 19, 2003

da pintura nacional, um génio, um sublime basbaque.

"uma tela dá-me sempre vontade de fazer com que deixe de ser branca. Uma tela não me intimida, já o papel... não me pergunte porquê, não sei, mas o papel é diferente, ter de atacar um desenho é qualquer coisa... Sinto-me a correr um risco, acho que fico com aquela cara espantosa, igual à  da toureira, pasmada, no momento em que enfrenta o touro naquele filme do Almodóvar.»

Júlio Pomar, em entrevista à  Grande Reportagem, Agosto de 2003


Erros nossos, as mesmas fortunas, Portugal ardente

Regresso a um país queimado onde as cinzas ainda não tiveram tempo de assentar. Regresso ao lugar que deixei já o rastilho da irresponsabilidade tinha sido aceso e já o tédio de um estio sem factos detonava as primeiras piromanias. Ligo o rádio do carro fronteiriço tentando ouvir o português pela primeira vez. Como se voltasse a perguntar ao vento, que não passava, notícias do meu país. A maquinaria não me calou a desgraça trouxe-me apenas a primeira frase em português (que não dos meus ) ouvida em 19 dias: “Perdi tudo”. Regresso a estas minhas gentes que se consomem, que se combustam lentamente, serenamente, sem pressas e “perdendo tudo”. Sós, como sempre somos quando, mesmo que rodeados, contemplamos as ternas chamas de 5 velas de aniversário apagadas pela inocência de uma criança. Sós quando mergulhamos no laranja rubro das tochas, cravadas na areia, depois de um beijo abençoado de alguém que nos quer. Sós como existimos quando nos diminuímos perante o hipnotismo das gigantescas labaredas, exército natural, sem preconceitos, sem hesitações, destruidor, dizimador dos nossos pequenos orgulhos humanos.

Cantam-me que é preciso morrer e nascer de novo, semear no pó e colher de novo. Mas estaremos condenados a este ressuscitar constante? O que temos sempre colhido? Sonhos que nos alimentam, talvez. Regresso a um Povo que tem colhido pouco, semeado ainda menos. A uma nação que se vai tornando deserto. A uma Terra erudida onde saudades morrem a cada minuto que nascem novas esperanças. Regresso a uma pátria onde os erros nossos se repetem, onde as fortunas são as mesmas, apenas são herdadas mais uma vez pelos ex -vindouros. Regresso a este luso lugar onde os corações são espelho dos horizontes em Oleiros, Guarda, Sines, Aljezur: ardentes. Regresso ao único lugar do mundo onde a Lua se mascara de Sol, de faces brancas cora, e por leves instantes ilumina pinhais (des)habitados por rostos engelhados pela solidão das posses. E nesses mesmos instantes uma lua que se forma candeeiro à primeira vez de outros, que, por momentos, também ardem à sua maneira e ainda não sabem o que é o gosto amargo das cinzas. Acho que regresso feliz. Regresso ao país que deixei. G.F.C.